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Publicado por em ago 25, 2021 em Artigos |

Impressões vindas de um sofá

Por Paulo Casa Nova

“Eu não sou um Robô”, de Gabriela Lamas e “Desvirtude”, de Gautier Lee, foram os curtas vencedores e já os via como favoritos, uma vez que também foram selecionados para a competição nacional. Não é uma garantia de sucesso, mas é um indicativo. Dos longas gaúchos, “Cavalo de Santo”, de Mirian Fichtner e Carlos Caramez, um documentário sobre as práticas religiosas afro-brasileiras, foi o vencedor. Vejo “Cavalo de Santo” como um filme que informa a situação dos ritos africanos, denuncia o racismo sem desistir da beleza e da alegria da cultura negra. Entre os curtas metragens nacionais, “Entre Nós e o Mundo” (SP), de Fabio Rodrigo, ganhou quatro prêmios. Seu filme é uma denúncia ao racismo que retém força dramática e política sem perder o afeto, mantendo um equilíbrio delicado entre política e estética que é a razão de sua força como obra de arte.

A competição de longas latinos foi dominada pela comédia uruguaia “La teoria de los Vidrios Rotos” (Uruguai), de Diego Fernández Pujol. A comédia passada no Uruguai que nos fala de paixões, fofocas, traições e vinganças de cidade do interior, além de doze carros incendiados (!), ganhou o prêmios de melhor filme, pelo Júri Oficial e pelo Júri Popular. Por fim, a competição dos longas nacionais foi equilibrada para baixo, com a pretensiosa comédia metalinguística “Álbum de Família” liderando ao contrário, como a pior realização exibida no Festival.

“A Suspeita” indicou a melhor atriz, Glória Pires, impressionante como a Comissária Lúcia, que inicia uma corrida contra o tempo e a doença de Alzheimer enquanto persegue os vilões. “Carro Rei” foi o grande vencedor por ser uma realização completa e empolgante, misturando ficção científica e política sem perder o delicado equilíbrio ente arte e militância, denunciando corrupção, poluição, fascismo e capitalismo. “O Novelo” deve ser lembrado pelo elenco todo negro, com atores empolgados a trabalhar sobre um ótimo roteiro. A decadência familiar e sua recuperação, reunindo os cinco irmãos, liderados pelo ‘kikitado’ Nando Cunha, por conta do reencontro com o pai agonizante numa UTI revela uma fantástica humanidade muito bem realizada pela equipe do filme. “Jesus Kid”, realização de Aly Muritiba, é uma comédia entusiasmante sobre a feitura de um filme, léguas a frente de “Álbum de Família”, com Paulo Miklos e Sérgio Marrone, é naturalmente engraçada e crítica da realidade nacional, novamente equilibrando estética e política. “A Primeira Morte de Joana”, da gaúcha Cristiane Oliveira, é um drama passado no litoral norte do Rio Grande do Sul, perto do Parque Eólico de Osório. Questões como sexualidade, mortalidade e existência são tratadas com mão leve, mas segura pela diretora, que tem um elenco feminino afinado e competente. O filme é quase uma contrapartida feminina de “O Novelo”, sendo uma denúncia ao machismo sem perder nenhuma qualidade estética. Mais uma vez vejo um equilíbrio entre estética e política, marca de um bom cinema.

Minha avaliação sobre a premiação do Festival é tão imprecisa quanto particular. Minhas preferências geralmente não coincidem com as dos júris, mas são fundamentadas no meu conhecimento e experiências. Verifiquei, afinal, que os melhores, realmente melhores cinematograficamente e não apenas politicamente melhores, venceram o Festival, para que nossa tradição, a ser comemorada presencialmente no próximo ano, não se torne uma farsa meramente burocrática. Além de tudo, esta edição do Festival foi bem superior a do ano passado embora eu ainda sinta que as limitações do modo à distância se tornaram ainda mais evidentes. Festival existe para se ver filmes sim, mas, em primeiro lugar, é feito para a comunidade cinematográfica, cinéfilos e críticos incluídos, se encontrar. Os encontros virtuais são tímidos e simbólicos. Fica uma saudade imensa dos últimos festivais, com todas as suas limitações e o desejo por festivais melhores nos próximos anos, sem as limitações antigas e com as adições da experiências vitoriosas destas últimas duas edições. Quem sabe a edição número cinquenta adote o melhor das duas formas, a presencial e a remota?

Foto no post: Agência Pressphoto