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Publicado por em set 7, 2019 em Artigos |

Legalidade

Por Rodrigo de Oliveira

A sessão fora de competição de Legalidade no Festival de Cinema de Gramado não poderia ter sido mais emocionante. Último filme do ator Leonardo Machado, que por muitos anos foi o apresentador do evento na Serra Gaúcha, a exibição do longa de Zeca Brito serviu como justa homenagem ao versátil e saudoso artista, falecido aos 42 anos, em 2018. Com a família e amigos no Palácio dos Festivais, Leo ficaria orgulhoso. Até porque, conferimos a melhor atuação de toda a sua carreira. O ator dá vida a Leonel de Moura Brizola de maneira visceral, convencendo não apenas nos bastidores do Palácio do Piratini, mas, principalmente, ao encarar o desafio de interpretar seus discursos. Uma lástima que sua performance tenha sido lançada postumamente. Mas, ao menos, temos essa grande atuação para guardar na memória.

O episódio da legalidade é uma parte importante da história do Brasil, pouco contada – talvez mais conhecido no Rio Grande do Sul, por ser seu cenário, mas nem assim muito difundido. Zeca Brito se juntou à Prana Filmes para contar essa história. Ele, brizolista contumaz, ainda escalou seu pai, Sapiran Brito, para interpretar o personagem mais velho. No elenco, temos vários nomes conhecidos do cinema e da TV brasileira como Cleo Pires, Fernando Alves Pinto e Letícia Sabatella, o que pode tornar a produção mais vendável ao grande público. Por falar em TV, existe, sim, um diálogo muito grande entre o longa de Zeca Brito e o estilo narrativo mais televisivo.

Na trama, acompanhamos os momentos conturbados que o Brasil viveu tão logo o presidente Jânio Quadros renunciou à presidência, em 1961, sob mando de “forças ocultas”. Leonel Brizola (Machado), governador do Estado do Rio Grande do Sul, tão logo ouve a notícia, já começa as tratativas para que seu cunhado (e vice-presidente) João Goulart assuma em Brasília o posto que lhe é de direito. Em viagem à China, o retorno de Jango é ameaçado. Nesse interim, chega a Porto Alegre a jornalista do Washington Post Cecília Ruiz (Cleo), que está fazendo um dossiê a respeito de Brizola para a publicação americana. No Piratini, ela conhece o jornalista do periódico Última Hora Tonho (José Henrique Ligabue), que logo se afeiçoa à sua colega de profissão. Cecília tem um passado obscuro e já havia conhecido Brizola e o irmão de Tonho, o guerrilheiro Luis Carlos (Fernando Alves Pinto), quando todos encontraram o revolucionário Che Guevara. Quando Luis retorna a Porto Alegre a pedido de Brizola, um triângulo amoroso começa. Em 2004, Blanca (Sabatella), jornalista igual a mãe, tenta descobrir os mistérios que envolvem seu nascimento. Isso a leva a descobertas surpreendentes.

Em um esmerado esforço de reconstituição de época, Legalidade é um título visualmente muito interessante. Zeca Brito teve a oportunidade de filmar no Palácio do Piratini, o que faz toda a diferença para contar aquela história. Existe um tom bastante didático na trama, mas isso acaba por ser um ponto positivo. Como essa parte da nossa História não é muito contada nas escolas, o cineasta parece ter pego a responsabilidade para si. Por isso, não se espante caso alguns diálogos sejam expositivos até demais. A ideia ali foi exatamente ensinar algo para a plateia – mas de forma mais envolvente. As cenas com Brizola são ótimas e a inclusão de matérias da época, com fotos dos verdadeiros personagens, são um toque inteligente (e econômico) para a produção. Sairia muito caro reconstituir tudo ou incluir Leo e os outros nas cenas de arquivo.

O triângulo amoroso até funciona, mais por conta do fator político envolvido no passado de Cecília e Luis Carlos. No entanto, são os momentos menos empolgantes de Legalidade. Mais interessante é estar junto do político dentro do Piratini, vendo suas decisões – algumas, inclusive, bastante intempestivas. O grande destaque do longa é a cena do discurso no rádio, nos porões do Palácio, quando Brizola fala aos seus a respeito da importância de lutar pela democracia. Em tempos em que a palavra parece até um insulto para alguns, é uma cena que surge como um farol de coragem. Uma pena que Zeca Brito não teve a empáfia de um Quentin Tarantino para mudar os rumos da história verdadeira. Se o cineasta americano matou Hitler em Bastardos Inglórios, por que não deixar Jango assumir a presidência e Brizola acabar com os planos da Ditadura? Brincadeira, claro. É importante que a nossa História seja contada de forma correta, ainda mais em tempos de fake news. Só depois que o público aprender a ver nosso passado com olhar mais aguçado é que poderemos assistir a arroubos mais criativos. Dito isso, Legalidade é um título correto, que conta uma história importante e que mesmo que não seja arrojado como os trabalhos anteriores de Zeca Brito, cumpre bem sua função de entreter e informar. Espera-se que encontre seu público ao estrear em setembro.

Texto extraído da edição digital da ALMANAQUE21: Festivais, disponível em https://almanaque21.com.br/2019/08/17/festival-de-cinema-de-gramado/