O gabinete do Doutor Montanari
Por Paulo Daisson Casa Nova, especialmente para o site da Accirs
Yoñlu, longa ficcional de Hique Montanari sobre a vida e morte do compositor porto-alegrense Vinícius Gageiro Marques que se suicidou em 26 de julho de 2006, tem uma característica comum aos filmes realizados por este cineasta de tantos documentários: a meticulosidade obsessiva com os detalhes. Cito alguns: como roteirista, realizou nada menos que doze tratamentos do roteiro em dez anos de produção do filme; como produtor, tratou os pais de Yoñlu com o respeito e o profissionalismo que o tema exigia; como diretor, o cuidado em contar uma narrativa sem barrigas, ou seja, sem rodeios.
Mas Montanari aparece com uma qualidade a mais: a confiança. É evidente seu compromisso com o filme e com o protagonista. Não há no filme espaço para sentimentalismo ou sensacionalismo e, no entanto, o filme flui em sentimentos e imagens sensacionais. Me vem à memória enquanto escrevo a subida de Yoñlu pelos morros de Porto Alegre vestido como astronauta. Montanari é confiante também nos debates sobre o filme, tanto no último Festival de Gramado, participando da Mostra Gaúcha de Longas-metragens como nos debates em sessões especiais já em plena carreira nos cinemas.
Fui testemunha, como mediador, do debate promovido pelo Clube de Cinema de Porto Alegre. A sessão, numa chuvosa manhã de sábado, atraiu não só nossos associados mas também muitos convidados. O debate que se seguiu à exibição do filme foi longo, intenso e brilhante. Eu perguntava o que podia, Hique, Gilka Vargas e Iara Noemi, suas escudeiras e diretoras da arte do filme, respondiam de pronto como se estivéssemos numa final de Wimbledon. E abriu-se a porteira para a plateia perguntar. E perguntaram. E rendeu o debate. E o debate foi sério como o tema exigia, mas foi leve como a relação estabelecida permitiu.
Daí a brincadeira do título deste ensaio, onde os espectadores fizeram uma psicanálise breve com o diretor do filme, onde as impressões foram trocadas e onde a arte do filme foi analisada em minúcias, principalmente a construção do quarto do protagonista, traçando um leve paralelo com a arte do expressionismo alemão, acima de todos o filme O Gabinete do Doutor Caligari, clássico do período.
Foi uma manhã gloriosa para o Clube de Cinema de Porto Alegre.