Última parada de Barreto (Última Parada 174, 2008)
por Lilian Mörschbächer Filha (aluna do curso de Realização Audiovisual da Unisinos)
“E então, como é o filme?”.
Era uma simples pergunta feita por amigos depois de eu ter anunciado que havia visto um dos mais novos filmes brasileiros em cartaz, Última Parada 174. Deveria ser uma resposta simples, afinal, a pergunta por si só já era simples, porém o assunto em questão não era nada simples. Como era realmente o filme? Digo, com total sinceridade, que é um ótimo filme, realmente, muito bom. O roteiro é muito bom, a fotografia é excelente e os atores são verdadeiros. Tudo que um bom filme precisa. Também, não se esperava nada contrário, levando em conta a equipe por trás dessa produção. Dirigido por Bruno Barreto, fotografia por Antoine Heberlé e arte por Claúdio Amaral, tudo acabaria em um ótimo filme, como ele, de fato é. Então, por que não falar simplesmente que o filme é ótimo? Já que ele possui tantos atributos ao seu favor?
O que me prende nessa hora de responder facilmente é uma só: o filme, como obra audiovisual, é ótimo. Porém, a proposta do filme, como uma narração de fatos reais, deixa dúvidas. Última Parada 174, a história de uma mãe em busca do filho e um filho que precisa de uma mãe. Um drama comovente que culminou com o seqüestro de um ônibus em plena zona residencial do Rio de Janeiro em junho de 2000, inspirado em uma história real.
Ao assistir ao filme, consegui interagir com a história, com os personagens ali mencionados e, por um instante, cheguei à esquecer que eu sabia o final. Pois o roteiro leva o público para um outro lado, leva o público a acompanhar a história de um menino, cuja vida foi cruel. Seria essa a intenção do roteiro de Braúlio Mantovani? De fazer o público esquecer que menino é esse e que final possui essa história? Se assim o for, então devo dizer que consegue com uma ótima eficácia. Porém, se essa não for a proposta do filme, então ele deixa de ser um ótimo filme, como filme. Passa a ser um ótimo produto audiovisual, porém, com certas falhas no andamento da história ali escolhida.
O diretor Bruno Barreto afirma: “Última Parada 174 é um filme sobre a condição humana e não sobre a condição social do Brasil. Sua história, baseada em acontecimentos reais, narra as trajetórias de uma mãe que perde um filho e de um filho que perde a mãe.” Constata-se então, que ao contrário do documentário Ônibus 174 do diretor José Padilha Última Parada busca preencher ficcionalmente a vida do menino Sandro do Nascimento, o sequestrador do ônibus 174. Diminuindo o foco da lente de José Padilha, Bruno Barreto pega o desfecho trágico da história de Sandro, partindo do fim para um miolo também conhecido, o de que este mesmo Sandro foi um dos sobreviventes de outra tragédia particular carioca, o massacre da Candelária. E o esforço de reconstruir as lacunas na vida de Sandro ficou por conta do roteirista, que levando a proposta de narrar uma história da vida de um menino, consegue fazer isso de forma que costure bem a trama. E, com uma pequena dose de anticonvecionalismo, deixa no final uma sensação de esperança no ar.
Assim sendo, o menino Sandro (Michel Gomes) ganha o apoio narrativo de uma mãe, Marisa (Cris Vianna), uma namorada, Soninha (Gabriela Luiz) e de um amigo-irmão, Alê (Marcello Melo Jr.). E a trama vai se desenvolvendo, até chegar ao fim da história, que o Brasil presenciou ao vivo no ano de 2000. Aqui, o público ganha informações a mais, sendo elas ficticias ou não, cabe ao público decidir sozinho. Um filme pesado, com classificação etária de 16 anos, é carregado de violência do começo ao fim. Fim esse, trágico, que levou à morte da refém Geisa Firmo Gonçalves e do próprio sequestrador, Sandro. Pode-se dizer que esse filme retrata a realidade brasileira?
É algo que deve ser questionado, especialmente quando leva-se em conta que o filme Última Parada 174 é um dos pré-selecionados para o Oscar, na categoria de Filme Estrangeiro. Mais um filme que vai em busca do reconhecimento internacional através do foco na violência urbana carioca. O Brasil não estaria de “saco cheio”, após o grande sucesso de Tropa de Elite, de Padilha, de filmes que retratam a desigualdade e crueldade existente em algumas parte do nosso país?
Mas e então, como é o filme? O filme é bom, merece ser visto ao menos uma, talvez até duas vezes. Ele possui todos os atributos que um bom filme deveria ter, uma fotografia que explora um enquadramento bem no molde de alguns filmes melodramaticamente impactantes. E um roteiro que garante a qualidade do filme, que se não imita seus antecessores em linhagem direta, também não agrega novidades à essa espécie de novo gênero do cinema nacional.
Porém, também, ele é mais um filme que fala da violência, favelas, tráfico de drogas, prostituição entre outras coisas. É mais um filme que retrata o Brasil de forma escura, fria e violenta. Como aluna de audiovisual, devo elogiar todas as belezas estéticas existentes no filme, e dar-lhe meu louvor. Como espectadora, devo acreditar que a história ali retrada, embora possua grandes verdades, não passa de uma história de ficção. E por fim, como patriota, devo aceitar que embora o mundo possa ver o Brasil apenas através de filmes como Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, Tropa de Elite e agora, Última Parada 174, somos muito mais que marginais à espera de uma mão amiga. Somos muito mais que orfãos e mães à procura de seus respectivos pares. Somos brasileiros e esse é um pedaço de nossa realidade. Não podemos esquecer de quem somos e nem de onde viemos.
“Quem não tem nada a perder, não sabe quando parar”.
Última Parada 174
Direção: Bruno Barreto
Roteiro: Bráulio Mantovani
País de produção: Brasil
Ano de lançamento: 2008
Duração: 110min.