Páginas
Seções

Publicado por em mar 23, 2014 em Artigos |

3 X Paulínia

PAULINIApor Ivonete Pinto

Em apenas três edição, o Festival Paulínia de Cinema consegue a façanha de se colocar como um dos mais importantes do País. Isto não acontece à toa.

A pequena cidade paulista ostenta um dos maiores PIBs do Brasil, graças à indústria petrolífera instalada lá, que lhe rende a posição de sétima maior renda per capita do Brasil. Poderia, no entanto, realizar um festival rico (só para Melhor Filme de ficção, o prêmio é de 150 mil reais), de muita pompa e circunstância, mas não ser levado a sério. A terceira edição demonstrou que já pode ser levado a sério, sim. E só pelo fato da prefeitura de Paulínia ter à frente um secretário municipal de cultura que sabe falar de cinema e ter se cercado de profissionais como Rubens Ewald Filho e Ivan Melo na coordenação e curadoria, já sinaliza que leva o cinema a sério. Além disso, o complexo de estúdios da cidade e o patrocínio de 40 filmes por ano não deixa margem para dúvidas de que o pesado investimento não tem como alvo atrair atores da Globo, ou algo assim.

No quesito Encontros, esta edição trouxe pessoas que avançaram questões cruciais para o cinema brasileiro. No quesito debates, promoveu de fato o debate e no item mais importante, os filmes, não ficou pior do que os mais significativos festivais, exibindo uma safra que bem representa a diversidade – e a fragilidade – do cinema atual.

No item Encontros, além do Encontro da Crítica, em que a Accirs teve espaço para relatar seu processo de fundação, a destacar a fala do secretário do Audiovisual, Newton Cannito. Realizador e roteirista, o secretário tem espantado a todos pela informalidade e as coisas meio fora do padrão que afirma. Em Paulínia, na mesa sobre o mercado, por exemplo, disse que somos muito Dunga e que precisamos ficar menos na defesa e mais no ataque. Disse também que fazemos pouca pesquisa, que temos que pensar modelos diferentes de fazer cinema. Neste sentido, citou como exemplo o Cirque du Soleil, que inventou uma forma de espetáculo que mistura teatro e circo e que, por isso, não tem concorrência. Arrematou afirmando que “podemos ser melhores do que Hollywood.” Concordando ou não com suas opiniões, é contagiante sua vitalidade e energia.

No item Debates dos filmes, mediados em revezamento por Rubens Ewald, Ivan Melo e Maria do Rosário Caetano, destaca-se um momento único em festivais, onde os críticos, normalmente empedernidos, choraram ao ouvirem o depoimento de atores e realizadores. Foi no debate sobre o filme 5 X Favela – Agora por nós mesmos, emoção amplamente repercutida na imprensa.

Também com repercussão, o debate sobre o filme Dores & Amores, cujo diretor ameaçou abandonar a sala por não concordar com o que os críticos diziam de sua “obra”. Um filme tão penoso de se ver que deixou as outras produções concorrentes muito melhores do que de fato eram. Como o próprio título exibido na noite seguinte, Malu de Bicicleta, de Flávio Tambellini. Simpático, interessante, com boas atuações, roteiro bem resolvido, mas nada que arrebate o espectador.

Já o citado 5 X Favela (dirigido pelo coletivo Manaíra Carneiro, Wavá Novais, Rodrigo, Cacau Amaral, Luciana Bezerra, Luciano Vidigal) e Bróder, de Jeferson De, representam algo novo no cinema brasileiro. O primeiro por vir de dentro (os diretores pertencem às comunidades das quais falam), e por mostrar que favelas têm histórias além das histórias de violência, têm personagens reais e não construções sociológicas. É cedo ainda para afirmar se entre o grupo de diretores há algum Leon Hirszman ou um Joaquim Pedro de Andrade, dois dos diretores da “matriz” desse filme (5 X Favela, de 1962), mas a bem sucedida dose de humanismo e humor produziu momentos à beira do sublime, como o episódio do roubo da galinha. O segundo título em destaque, Bróder, é dirigido por um negro que vinha fazendo um cinema militante em seus curtas, mas aqui escapou do que era quase um estigma. Ou seja, representou a questão racial com verdade, sem panfletarismo, sem o maniqueísmo que o próprio discurso do diretor fora das telas deixa entrever – e aborrecer. No caso, o filme transcende ao seu autor.

Na categoria de documentários, o destaque é para Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil. Para os curtas, o poético Ensolarado, de Ricardo Targino.

O Festival de Paulínia não é perfeito, o equilíbrio entre filmes de apelo mais popular e filmes com propostas estéticas mais arrojadas é sempre difícil de alcançar. Mas a julgar por esta terceira edição, o futuro do festival está garantido como evento de peso do cinema nacional.

Veja o resultado da premiação do festival no site: www.culturapaulinia.com.br/