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Publicado por em mar 23, 2014 em Artigos |

3D – Ver para crer

oculos3dpor Marcelo Perrone

O meu velho interesse por novas tecnologias cruzou com a missão profissional em recentes reportagens sobre o cinema em 3D para o jornal Zero Hora. Poupando descrições técnicas sobre o que é e como funciona a esteresocopia – o nome sério do processo – e abastecido de informações coletadas com exibidores, distribuidores e especialistas na criação de imagens tridimensionais, deu para ver que, como em quase tudo na vida, a verdade nesta empolgação toda que cerca o tema está no meio termo.

De fato, a nova tentativa de ressuscitar e fazer emplacar o cinema 3D se mostra bem mais convincente do que as incursões anteriores, tamanho tem sido o entusiasmo daqueles que já viveram a experiência sensorial diante de filmes como o recente Viagem ao Centro da Terra – o primeiro live action produzido sob os novos padrões tecnológicos. Mas daí a achar que o futuro ao 3D pertence é bem diferente, já que não é todo filme que ganha interesse extra com a projeção tridimensional. A revolução que graúdos de Hollywood, como Jeffrey Katzenberg, da DreamWorks, dizem ser a mais importante desde que o cinema começou a falar, no final dos anos 1920, seria a carta na manga direcionada para um tipo de produção específica, a que visa platéias gigantes e ajuda a manter as contas dos grandes estúdios no verde.

Essa história de recuperar a magia do cinema, de tornar a sala escura outra vez palco de emoções únicas, é isca para pescar aquela jovem massa que há muito achou outras maneiras de assistir aos filmes, quando os assiste. E mesmo para esses o 3D não é grande novidade – os videogames investem nele há mais tempo. Basta ver a lista de filmes em 3D previstos para os próximos três anos – entre desenhos animados como Toy Story 3, a volta de James Cameron, com a ficção científica Avatar, e George Lucas espremendo o que resta da saga Guerra nas Estrelas – para ver que o público-alvo da nova tecnologia é aquele da faixa 15/25 anos que ocupa a linha de frente das poltronas dos blockbusters. Outra coisa: como não ainda não se legendam filmes em 3D, o cardápio só traz filmes dublados.

Antes de o 3D emplacar, porém, é preciso que se concretize a transição de toda a maquinaria cinematográfica para o suporte digital, essa sim uma transformação com impacto mais relevante em toda a engrenagem: da captação da imagem e da pós-produção, já a pleno vapor, à distribuição e à exibição, ainda bastante incipientes. Mesmo no EUA essa transição é lenta: apenas 4,6 mil das 36 mil salas estão digitalizadas, exigência para instalar o 3D, já presente em cerca de 900 delas. O Brasil, com 2,1 mil salas, já tem mais de meia duzia digitalizadas e com o 3D, distribuídas em São Paulo, Rio e Florianópolis. Como em tecnologia um percentual magro num dia é maioria logo adiante, os planos de expansão, lá e aqui, são ambiciosos. Até dezembro de 2009, a previsão nos EUA é de que a projeção digital esteja presente em 22 mil salas (70% do circuito). No Brasil, pelo menos mais 10 salas estão anunciadas.

Importante lembrar quando se fala em projeção digital: o atual modelo em uso é o homologado pelo DCI (Digital Cinema Initiative), comitê criado pelos sete grandes estúdios de Hollywood (Warner, Fox, Universal, Paramount, Disney, DreamWorks e Sony) para estudar os padrões a serem adotados para a projeção de seus filmes. Os principais requisitos são a compressão de imagem em JPEG 2000 e a resolução de 2K ou 4K, que transmitem ao olho humano a mesma percepção de qualidade da película 35mm. Não confundir com a projeção digital já comum no Brasil via Rain – como a do Unibanco Arteplex do Bourbon Country –, que utiliza compressão MPEG, com resolução inferior, que dá aquela impressão de imagem “lavada” quando exibida em telas maiores – por isso, nessas salas só passam filmes nacionais e produções sem vínculo com os grandes estúdios.

A grande e urgente questão em pauta é saber quem paga a conta do processo de migração para o digital – um caminho sem volta, dizem os especialistas – da película 35mm para a digitalização total: exibidor, distribuidor ou ambos. Nos EUA, encontrou-se, via um modelo de cálculo chamado VPF (virtual print free), o meio de equacionar o custo entre as partes envolvidas, que considera entre complexas variáveis a economia que os distribuidores terão com a impressão e transporte de cópias – cálculo que envolve também os fabricantes dos equipamentos e os exibidores.

Mas essa é uma discussão ainda embrionária no Brasil, onde o custo do investimento é engordado por diferentes tributos fiscais – digitalizar uma sala e deixá-la apta para exibir filmes 3D tem custo estimado de R$ 500 mil. E apenas mudar o modelo de projeção não é, por enquanto, um atrativo parta o exibidor. Segundo Marcelo Bertini, presidente da rede Cinemark no Brasil, que já tem quatros salas digitalizadas e equipadas com o 3D, a projeção tridimensional seria esse atrativo.

– O primeiro passo é avançar na migração da projeção em filme para a digital, mas só isso não basta, pois o espectador não vai notar diferença na qualidade de projeção, por exemplo. É uma mudança que importa mais ao distribuidor e ao exibidor. O 3D entra como o elemento que oferece algo novo ao espectador. Mas o alto custo custo ainda deixa negócio inviável – disse Bertini, em entrevista a ZH, acrescentando que, mesmo sob ponto de vista conservador, prevê uma expansão do sistema digital na rede exibidora do país para os próximos cinco anos.

Ricardo Difini Leite, presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas e um dos sócios da rede GNC, defende que os exibidores brasileiros que já aderiram ao 3D podem estar se precipitando:

– Como a discussão VPF sequer chegou ao Brasil, esses exibidores buscaram parcerias direto com os shoppings onde estão instalados, que investem nas salas prevendo o aumento do fluxo de público. É uma opção que pode prejudicar a negociação com os distribuidores mais adiante. Assumir o custo total da digitalização é impraticável para o exibidor. Não tem como recuperar um investimento desse porte.

São dois os sistemas de projeção digital que estão sendo implantados no Brasil (e no mundo). Primeiro, chegou o da Real D. Depois, o Dolby Digital 3D, em operação na nova sala do grupo PlayArte em São Paulo desde a estréia de Viagem ao Centro da Terra – o mesmo que deve ser instalado também em uma sala do Unibanco Arteplex de Porto Alegre até o fim do ano, conforme antecipou a ZH Adhemar Oliveira, um dos sócios da rede. Explica Otelo Coltro, vice-presidente da PlayArte, que o Dolby Digital 3D é mais avançado que o Real D. Não precisa, por exemplo, da tela aluminizada para compensar a perda de luz que ocorre com a chamada polarização – que separa na projeção as imagens destinadas a cada olho e que posteriormente, através dos óculos, transmitem ao cérebro a percepção da imagem tridimensional.

Especialistas apostam que em 10 anos a película será passado e que até lá o analógico e o digital conviverão lado a lado na sala de projeção, pelo menos nos principais centros consumidores de cinema no mundo. Mas este otimismo depara com algumas variáveis importantes como, entre as já citadas: a) pouco potencial do digital em atrair público sem o “plus” 3D, já que a mudança nada acrescenta à vida do espectador; b) o fato de o investimento no sistema 3D (mais US$ 40 mil/ano, em média, pela licença de uso dos equipamentos necessários para produzir o efeito) ainda não estar incluído no pacote de negociação entre as partes (e este é o incremento que pode repercutir em maiores bilheterias); c) a necessidade de uma adesão mundial ao processo, já que mais 60% da receita dos grandes estúdios de Hollywood vêm hoje de fora dos EUA.

Esta anunciada nova revolução pretende garantir a sobrevivência do cinema como arte e como negócio e está apenas começando. O mais interessante é que ela deve ocorrer literalmente diante dos nosso olhos.