A censura voltou?
Seminário promovido durante o Festival de Gramado discutiu a censura no caso A Serbian Film
Por Ivonete Pinto
Na tarde deste sábado, 06, no 39° Festival de Cinema de Gramado, a ABRACCINE, em promoção com a Associação de Críticos de Cinema do RS, ACCIRS, realizou o seminário A censura voltou? O veto ao longa ”A Serbian Film” em questão.
O evento aconteceu no dia posterior à classificação do filme para 18 anos. A classificação foi assinada por um dos participantes da mesa, Davi Pires, diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça. Pires fez a participação mais aguardada do seminário, justamente porque seria a oportunidade de se ouvir sobre os critérios que levam à classificação etária dos filmes.
O mediador da mesa, Roger Lerina, presidente da ACCIRS, fez um resumo do processo de censura pela qual A Serbian Film passou, iniciando com o pedido do DEM fluminense para proibir a exibição no Rio Janeiro e culminando com a intervenção do Ministério Público de Minas Gerais, que solicitou a interdição em todo território nacional.
Antes dele falou o diretor do FANTASPOA – festival de cinema fantástico de Porto Alegre, João Pedro Fleck, que exibiu A Serbian Film. Fleck explicou que a versão mostrada possuía 3’30 de cortes, porque a exibição foi resultado de acordo com o distribuidor internacional do filme, a Jinga Films, da Inglaterra. Segundo Fleck, estes cortes tiveram a função de suavizar algumas cenas. De todo modo, ele defende que não se trata de uma obra com grandes méritos artísticos. “É um filme de terror como tantos outros”.
Frederico Machado, diretor da Lume Filmes e do Festival Internacional Lume de Cinema, de São Luis do Maranhão, o segundo festival a exibir o filme no Brasil, corroborou as palavras de Fleck e cobrou do representante do Ministério da Justiça, critérios mais claros de classificação de filmes. Citou o exemplo de Lola, de Brillante Mendoza, que foi classificado como “filme de assassinato”. “Me parece que não viram o filme no Ministério”, ironizou Machado.
Luiz Zanin Oricchio, presidente da ABRACCINE, lembrou que a ação da Justiça pegou a todos de surpresa, porque havia o entendimento de que estes eram fatos ligados apenas ao nosso passado. Alertou, que, embora a Constituição de 1988 assegure a liberdade de expressão, apareceu agora uma “censura que não ousa dizer seu nome”. Para Zanin, o fato pode gerar um precedente perigoso justamente porque não pode ser nomeado como “censura”. Por fim, defendeu que a sociedade não pode ser tutelada.
O último a falar, Davi Pires, iniciou sua participação afirmando que é muito comum que as pessoas confundam conceitos de “censura” e de “classificação” e que é preciso antes de mais nada sabermos o que está sendo dito. Sustentou que o exercício da democracia é um exercício de direito e quem se sente ofendido por esta ação do Ministério Público deve e tem por onde buscar a reversão da decisão.
Pires admitiu que muitos envolvidos no veto ao filme de fato não o tinham visto, mas advertiu que existe um outro tipo de censura, que é a exercida pelo próprio mercado. “Na Inglaterra, por exemplo, país liberal, o filme recebeu vários cortes. O distribuidor, neste caso, entendeu que deveria fazer os cortes para ter seu produto melhor aceito”, disse Pires.
O diretor do Ministério da Justiça citou também um exemplo em torno da classificação das novelas de televisão, que também passam pelo seu departamento, trazendo o exemplo do beijo gay. Segundo ele, os autores das novelas costumam dizer que não exibem o beijo em função da classificação indicativa. “A culpa é jogada na nossa conta, mas o fato é que agora, a partir de pesquisas realizadas sobre o tema específico, sabemos que é o mercado, ou seja, o telespectador, quem não quer ver beijo gay em novelas”, sustenta.
Sempre afirmando que o cidadão deve buscar seus direitos pela via institucional, Davi Pires esclareceu quanto aos critérios adotados pelo Ministério da Justiça, implantados após intensas discussões com a sociedade, onde participaram representantes de entidades como o Conselhos Federais de Psicologia e de Pediatria, além de representantes do Conan – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação e Normalização e do Ministério Público. Esses critérios, que estão disponíveis no site do Ministério da Justiça, tratam da classificação indicativa a partir de três grandes temas: cenas de sexo, cenas de violência e uso de drogas.
Pires também esclareceu que o Ministério Público de Minas Gerais solicitou a proibição do filme, mas na verdade o Ministério da Justiça não tem o poder de proibir nenhuma obra, apenas de classificar. Com a decisão, que deve ser publicada no Diário Oficial da União nesta segunda-feira, A Serbian Film então estará “não recomendado para menores de 18 anos por exibir cenas de sexo e violência extrema e de cenas de pedofilia”. Pires ressaltou que a decisão que leva sua assinatura levou mais tempo do que o normal (os filmes levam 20 dias no máximo para receber a classificação), porque foi encaminhado antes à consultoria jurídica do próprio ministério que orientou a decisão final. No entanto, a decisão circunscrita ao estado do Rio de Janeiro, a partir da permanece, estando o filme proibido naquele estado