Páginas
Seções

Publicado por em mar 24, 2014 em Artigos |

A graça está no desconforto (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, 2007)

por Maressah Sampaio (aluna do curso de Realização Audiovisual da Ulbra)

3“Para mim é um pouco um conto de fadas”, declarou Christian Mungiu, diretor de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, ao agradecer a conquista da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2007. Ironicamente, o filme que deu a Mungiu esta bela sensação é uma das obras mais cruas dos últimos anos, passando longe do que se poderia chamar de conto de fadas. Talvez aí, então, esteja a graça de separar a vida da arte – embora a película em questão seja tão real que, por vezes, esquecemos que estamos diante de uma obra de ficção. Paradoxos…

Na Romênia comunista de 1987, Gabita (Laura Vasiliu) descobre que está grávida. Sem ter família por perto – ela mora numa república de estudantes –, pede socorro à colega Otilia (Anamaria Marinca), que demonstra ser sua única amiga e não mede esforços para correr atrás de uma solução para o problema. Solução essa que consiste em, dentro do regime algoz pelo qual passa o país, tornar possível que Gabita realize um aborto. Ao contrário do que parece no início, com o decorrer do longa, Otilia revela-se como protagonista da trama. São as emoções (e pontos de vista) dela que acompanhamos durante os 113 minutos de exibição.

É certo que a Romênia vive um estado de graça com o seu cinema atual. Desde o lançamento de A Morte do Senhor Lazarescu, de 2005, a produção local vem despertando a atenção nos festivais europeus. Citando os mais conhecidos, de lá saíram filmes belíssimos, como A Leste de Bucareste, California Dreamin’ e Como Festejei o Fim do Mundo. Portanto, não há surpresa quando se percebe a qualidade de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, que se configura em mais um exemplar que orgulha o universo dos chamados “filmes de autor”.

Eis que as escolas naturalistas têm mais um enteado de sucesso: todas as vanguardas, do Neo-Realismo Italiano à Nouvelle Vague, estão, de certa forma, presentes no filme. Os cenários lavados, aliados à firme câmera na mão (sempre na altura dos olhos) e aos longos planos não são aqui apenas um exercício de estilo, mas sim um tentativa bem-lograda de fazer do espectador um membro ativo. Não há como se perder em montagens mirabolantes ou trilha sonora cheia de violinos chorosos. As coisas são o que são, puras, nuas, sem direito a pulos de tempo do tipo “seis meses depois”. A vida desses personagens está sendo decidida agora.

Destaque para o elenco, que segura cenas longas com uma espontaneidade de dar inveja aos senhores do Dogma 95. O ator Vlad Ivanov, em especial, consegue ser o mais asqueroso dos homens na pele do especialista em abortos, que em determinado momento faz um discurso tão maniqueísta que algum desprevenido pensaria que ele é a grande vítima – e tudo isso em apenas um plano, sem cortes. Já Anamaria Marinca, que se faz dona de silêncios, em certa hora aparece alienada num jantar de família, enquanto os parentes de seu namorado discutem banalidades (em mais um plano longo e sufocante). São duas cenas que, futuramente, serão exemplos de sala de aula nos cursos de cinema.

Longe de ser um panfleto contra ou a favor do aborto, da liberdade, do comunismo ou de qualquer conceito fechado, 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias em momento algum se propõe a ser uma película fácil. E é, de fato, impossível sentir algum prazer sentimental em assisti-la. A graça surge do desconforto.

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (4 Luni, 3 Saptamâni si 2 Zile)
Direção: Cristian Mungiu
Roteiro: Cristian Mungiu
Com: Laura Vasiliu, Anamaria Marinca e Vlad Ivanov
País: Romênia
Ano de lançamento: 2007
Não disponível em DVD no Brasil
Duração: 113 minutos