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Publicado por em set 10, 2018 em Críticas, Festival de Gramado |

A praia de Nara

por Juliana Costa, especialmente para o site da ACCIRS

Como o mar que desmancha nossos desenhos na areia, violento e delicado, assombroso e inexorável, assim é Guaxuma (2018), novo curta-metragem de Nara Normande. Destaque em todos os festivais por onde tem passado, o grande pequeno filme da alagoana arretada também fez história no 46º Festival de Gramado, recebendo merecidamente o prêmio de melhor curta-metragem brasileiro. “Se você abrir uma pessoa, encontrará paisagens, se me abrir, encontrará praias.”, disse Agnès Varda no início de As Praias de Agnès (2008), talvez seu filme mais autobiográfico. A frase, bem como o filme de Varda, sem dúvida ecoa em Nara, que generosamente nos leva no colo, sem medo nem embaraço, por uma viagem através da paisagem da alma de sua infância.

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Da técnica de animação de areia, rigorosamente escolhida para dar movimento as suas memórias, ficamos com a efemeridade das imagens, assim como da vida, fantasmas de areia que somos. Conferindo um corpo robusto às reminiscências de Nara, ouvimos um relato em primeira pessoa doce, melancólico, hesitante e corajoso, monumentalmente narrado pela diretora, personificando a colagem de recordações. Tudo é fugaz: da imagem de areia do pai dormindo com livro sobre Cuba no colo, que desmancha como nossos ideias mais queridos, às fotografias cravadas na praia, prestes a serem levadas pelas ondas. Até os tsurus, origamis da ave sagrada japonesa de vida milenar, que repousam no colo da menina que dormirá por mais mil anos, são tradução do transitório. Mesmo a morte parece impermanente nas imagens aeradas de Normande. De concreto, observamos uma sexualidade latente que se revela ora com humor arregaçado, ora com sutileza titubeante ao longo do filme. Certamente que se há algo de permanente nesta praia onde mergulhamos antes de voar, é o sexo. E disso Nara não nos deixa esquecer.

Se com Dia Estrelado (2011) e Sem Coração (2014), Nara Normande já havia cravado seu nome nas areias da nova geração de cineastas brasileiras, com Guaxuma, ela chega a um novo patamar. É sem dúvida um dos grandes filmes brasileiros da última década.