A Terceira Guerra Mundial, por Paulo Casa Nova

O Clube de Cinema de Porto Alegre recebeu um presente especial do João Pedro dos Santos Fleck e do Nicolas Tonsho, leia-se Fantaspoa Produções: uma sessão especial e exclusiva em nossa homenagem. Ex-presidente e ex-diretor do Clube, a turma do Fantaspoa surgiu do Clube de Cinema e hoje está maior de idade, com um festival de importância continental. Viva o Fantaspoa!

O filme iraniano de 2022, premiado na mostra “Horizontes” no Festival de Veneza, foi exibido em sessão de sábado de manhã para mais de trinta assistentes. O filme gerou controvérsia em função, creio, de sua deliberada estranheza; trata-se de uma trama que passeia entre o drama e a comédia absurda com a desfaçatez de um espírito totalmente livre. Com elementos neorrealistas mesclados a elementos da comédia absurda, nós apreciamos a luta do protagonista Shakib para se recuperar das mazelas terríveis que lhe abateram corpo, mente e alma. Ele era um trabalhador próspero até que um terremoto lhe roubou as vidas de sua mulher, seu filho, lhe destruiu a casa e deixou-lhe a reputação de pai de família negligente e covarde. Na verdade, ele estava trabalhando do outro lado da cidade quando o desastre aconteceu mas, como se sabe, entre a verdade e a versão, a última sempre vence.

Por isso, ele decaiu horrores na própria vida, passando a ser um sem-teto, que luta por empregos informais ou subempregos todos os dias, dorme onde pode e tem com único laço afetivo Ladan, uma prostituta surda-muda. Horror e absurdo, mais uma vez. A boa sorte o atinge quando passa a trabalhar com peão de obra num set de filmagens. O filme é sobre a Segunda Guerra Mundial e ele rapidamente sobe de peão de obra para vigia, daí para cozinheiro, figurante e, enfim, protagonista! Entre horrores e absurdos, o espectador não sabe quais signos são confiáveis. É uma comédia, um drama ou uma mistura dos dois?

Não despregamos os olhos da tela.

Daí até o final, o filme se torna uma montanha russa de situações, cada uma mais inesperada até uma catártica e surpreendente cena final, que deixa o espectador boquiaberto. “A Terceira Guerra Mundial” atira para vários alvos, permitindo leituras contraditórias. Podemos entender que a Vida é uma guerra constante de todos contra todos e, por isso, as suas inerentes aberrações são naturalizadas. Shakib luta pelo que entende ser sua dignidade, seu último resto dela, luta com todas as forças, esperando pela redenção pessoal, que lhe escapa de modo patético

Um grande e inesperado filme que ainda nos provoca admiração e injúria, esperança e desespero.