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Publicado por em ago 25, 2024 em Artigos, Festival de Gramado |

“Barba Ensopada de Sangue” adapta livro de Daniel Galera para o cinema e leva o Kikito de Melhor Montagem, por Adriana Androvandi

15/08/2024 – 52º Festival de Cinema de Gramado – Equipe do longa-metragem brasileiro “Barba Ensopada de Sangue” | Foto oficial: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

O filme “Barba Ensopada de Sangue”, dirigido por Aly Muritiba, foi exibido na noite de quinta-feira (15 de agosto), no Palácio dos Festivais do 52º Festival de Cinema de Gramado. Este foi o último filme na categoria de Longas Brasileiros a ser apresentado dentro da competição.

Adaptado do livro homônimo de Daniel Galera, o filme traz uma versão mais enxuta do romance. O diretor conta que teve a indicação do livro por Léo Garcia durante o Festival de Roteiros de Porto Alegre (FRAPA). “Ao ler o livro, imediatamente pensei em adaptá-lo”, conta o diretor.

Na história, um homem jovem viaja para uma praia em busca de respostas sobre o passado de sua família. Ao chegar na casa de seu avô, conhecido como Gaudério, ele tem contato com objetos de pesca, como redes e até um arpão de caçar baleias, prática realizada no local até os anos 1970.

O protagonista no filme é vivido pelo ator Gabriel Leone. A localidade, ao ver que o neto de Gaudério chegou na cidade, se mostra espantada. Ao longo do tempo, o rapaz fica sabendo que o avô tinha fama de louco e a casa em que está, de assombrada.

“Na adaptação, procurei manter o essencial do livro”, contou Muritiba na sala de debates na manhã seguinte à sessão. “Minha obra gosta de personagens masculinos machucados, ‘quebrados’, e vi no protagonista do livro de Daniel Galera esse sujeito que está ‘lambendo as feridas'”, completa o diretor.
No livro, a história se passa em Garopaba, mas no filme em uma praia fictícia, chamada Armação. A rodagem ocorreu no litoral sul de São Paulo, na região do município de Cananéia.

O cineasta justifica porque não gravou em Santa Catarina: “A Garopaba de hoje mudou muito, não é mais a Garopaba descrita por Daniel Galera. E eu quis buscar uma praia menos tropical”, explica o cineasta. Por isso optou por outra locação. “No período invernal, em Cananéia, o mar fica mexido e tem vento forte. Vou fazer com que a paisagem fale pelo personagem”, disse o diretor sobre o personagem taciturno.

O diretor também conta que no filme não colocou a primeira parte do livro. Na montagem, ele foi se dando conta de que o início da obra literária revela muito do que virá na trama. Por isso, optou por fazer o espectador ir descobrindo aos poucos sobre os mistérios da história.

O protagonista chega à cidade com sua cadela, Beta. Na vida real, ela se chama Texas, estava acompanhada de seu dono em Gramado e ambos entraram no tapete vermelho e no cinema com a equipe, encantando a plateia.

“O antagonismo do filme se torna a postura das pessoas da cidade, que passam a querer expeli-lo”, explica o diretor. Os pescadores deixam explícita a mensagem na casa da família do protagonista com uma pichação: “Vá Embora”.

A única pessoa que é receptiva a Gabriel é Jasmine, uma guia de turismo, interpretada por Thainá Duarte. A atriz contou que foi a Garopaba para se preparar para o papel. “Foi muito importante pra mim”, contou.

Gabriel Leone chegou ao set logo após ter rodado “Ferrari”, por isso não teve tempo de deixar a barba crescer. Como a barba é fundamental para o protagonista, estando no título do livro e do filme, a solução foi colocar uma barba postiça. Isso exigiu que Gabriel chegasse pelas 5 horas da manhã no set, antes dos demais atores. “Ontem foi a primeira vez que vi o filme. Esta história me tocou também porque tenho um avô gaúcho”, disse Leone, dedicando a sessão de quinta a ele.

O livro de Galera é repleto de detalhes e levar uma versão “resumida” para as telas exige coragem de qualquer diretor. Muritiba também optou por não manter a parte inicial narrada no livro porque acreditou que ela “entregaria demais” para o espectador. A opção realmente torna a história mais misteriosa e o público vai conhecendo os dramas do personagem aos poucos. Mas talvez o diretor pudesse ter entregado algumas pistas a mais, porque algumas questões aparecem repentinamente sem que se tenha o contexto, como a parte das descobertas arqueológicas. De qualquer maneira, “Barba Ensopada de Sangue” levou para casa o Kikito de Melhor Montagem.

O elenco está bem dirigido, mas a participação do ator Nelson Diniz foi um desperdício, aparecendo muito pouco e praticamente irreconhecível. Frente a um ambiente masculino violento, a personagem vivida pela atriz Thainá Duarte (da série ‘Cangaço Novo’) é uma das poucas que dá certa leveza ao filme (ao lado de Texas/Beta). Vale ressaltar o esforço da artista para falar com o sotaque catarinense.

O filme, que aborda questões como solidão, relações familiares e recomeços, traz ainda a questão ambiental à tona, ressaltando a presença das baleias no litoral brasileiro e resgatando o período em que eram alvo de caça. É uma trama inteligente e que foge ao clichê de mostrar as praias brasileiras como paraísos tropicais.

Texto publicado originalmente no Correio do Povo, em versão reduzida.