Bolt: a Disney com a cara da Pixar (Bolt – Supercão, 2008)
por Misael Lima
Em 1937, o primeiro longa-metragem de animação do mundo, Branca de Neve e os Sete Anões, mostrou uma nova dimensão de entretenimento possível. Com esmero de inúmeros artistas, o roteiro tinha a difícil tarefa de não apenas impressionar visualmente, como entreter o público infantil e adulto de forma convincente. Ali, firmou-se o estilo Disney de animação. Narrativas simples para toda a família, com lições de moral e excelente qualidade gráfica. Esse legado manteve-se forte durante quase meio século. Foi há pouco mais de uma década que algo parece ter saído do controle.
O último grande lançamento da Disney, pré-Pixar, foi O Rei Leão. A vinda de Toy Story, primeiro longa-metragem totalmente computadorizado e com uma história madura, parece ter desestabilizado o chão firme mantido pelo império durante todo esse tempo. A partir daí, seus próximos filmes em 2D pareciam não apresentar a qualidade e o chamariz necessário acima da média. Com um contrato de pelo menos dez anos, a Pixar capitalizou forte, ajudando a empresa a continuar com seu império por um bom tempo. Enquanto surgiam sucessos instantâneos como Vida de Inseto, Toy Story 2 e Monstros S.A., a Disney naufragava com produções como Dinossauros e Nem que a Vaca Tussa, o último longa em 2D da empresa. Mas, essa união fabulosa parecia aproximar-se de um fim.
O efeito Pixar
A empresa que nasceu nos anos 80 demorou até ter sua importância reconhecida. Toy Story pegou o mundo de surpresa com efeitos incríveis que garantiram, além de um Oscar especial, a abertura de novas possibilidades em um mercado que demonstrava os primeiros sinais de cansaço. Em seu segundo projeto, Vida de Inseto, a Pixar vence o Oscar de melhor curta de animação, em um minifilme exibido antes das cópias no cinema. A popularização da computação gráfica, a originalidade dos roteiros, a quebra de monopólio com o surgimento de outras empresas, como a Dreamworks, e o sucesso estrondoso que esses filmes fizeram em todo o mundo, surtiram efeito também na Academia: era criado o prêmio de melhor filme de animação. Apesar da força da Pixar e de suas animações, quem levou o Oscar em seu primeiro ano foi sua principal rival e seu ogro incomum, Shrek. O filme inaugurou outro ponto de virada na animação. Apresentava piadas infantis e adultas, mesmo que subliminares. Esse amadurecimento ficou ainda mais claro nas produções posteriores. E o Oscar veio com Procurando Nemo, em 2004. O 2D ainda é forte nas disputas, e isso foi provado com A Viagem de Chihiro, de 2003, que bateu seus concorrentes ocidentais, com uma história forte e inteligente.
O Oscar voltou às mãos da Pixar com Os Incríveis, primeiro sucesso do diretor Brad Bird, conhecido nos circuitos undergrounds com uma das melhores animações dos anos 90, Gigante de Ferro. O diretor sabe explorar seus personagens de uma forma profunda e psicológica, diferente das abordagens superficiais e clichês que o mundo estava acostumado. A Pixar começa a enveredar por um outro caminho, completamente inusitado. Seus filmes param de buscar apenas a diversão e entretenimento sem propósito, para começar a tornar-se mais do que simplesmente mais uma animação. Ratattouile é um passo ousado, que quebra com a prática de clichês, ao evitar situações e resoluções óbvias. Essa atitude agrada a crítica, mas perde boa parte do público infantil, que prefere produções mais simples e cômicas. Também, consagra Brad Bird em seu terceiro filme. Wall-E é a expressão quase definitiva desse novo rumo da Pixar. O filme praticamente não apresenta diálogos durante quase mais de meia hora do filme. Algo surpreendente para qualquer animação. A cena da dança espacial que o protagonista realiza com Eve entra para a história da animação pela sua beleza rara e singela. Esse tipo de liberdade veio logo após o passo mais importante da indústria do cinema em décadas: a fusão Disney/Pixar.
A união
Com a proximidade do fim do contrato entre Disney e Pixar, a mina de ouro que a empresa de Mickey Mouse tinha achado parecia encerrar-se. Após meses de negociação, finalmente um acordo: a Pixar deixaria de ser apenas uma empresa contratada para tornar-se uma sócia de peso. Além de manter o direito total sobre suas produções, o chefe da empresa ainda assumiria o setor de animações da Disney, que cambaleava com o fraco A Família Robinson. O diretor de Toy Story, John Lasseter, ainda tentou trazer de volta as animações 2D com sua primeira produção, mas a falta de aceitação e problemas com o diretor do filme acabaram voltando ao 3D.
Tudo isso pra falar de Bolt
Desde o logo da empresa, que lembra as primeiras produções Disney, o filme busca se diferenciar de suas recentes produções e mesmo do estilo Pixar. Uma produção assumidamente feita para o público infanto-juvenil, assim como grandes sucessos dos últimos anos, como Kung Fu Panda e Madagascar, que se importam mais com a diversão e a simplicidade. A qualidade técnica da produção é ótima. A cena de abertura tem quase 15 minutos de ação initerrupta, efeitos de slow motion bem posicionados e muita pirotecnia. Ninguém duvida da capacidade técnica do estúdio. Mas a qualidade do filme ultrapassa apenas o visual e capricha em um roteiro que não apela nem exagera. É divertido, engraçado, com um timming ideal. A lição de moral está claramente presente no final da película e não irrita.
O primeiro filme dos estúdios Disney sob a tutela de John Lasseter recuperou um pouco do prestígio que durante tanto tempo o estúdio parecia ter perdido. É cedo para constatar todas as mudanças, mas o futuro parece bem mais promissor agora.
Bolt – Supercão (Bolt)
Animação
Direção: Byron Howard e Chris Williams
Roteiro: Dan Fogelman e Chris Williams
País de produção: EUA
Ano de lançamento: 2008
Duração: 96 minutos