Capitão Nascimento ou José Padilha? De Quem é o Olhar?
por André Kleinert
A comparação pode soar óbvia, mas “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro” (2010) lembra muito a segunda parte de “O Poderoso Chefão”, no sentido que ambos possuem tramas auto-contidas e independentes das obras que o precedem, mas que também servem como uma forma de complementar o sentido dos filmes iniciais. Se na obra original de 2007 o diretor José Padilha determinava um ritmo narrativo vertiginoso para mostrar a trajetória obsessiva do Capitão Nascimento (Wagner Moura) em encontrar um substituto para si além de prender ou matar os marginais que apareciam pelo caminho, nesta continuação ele opta por uma linha mais reflexiva e cerebral, intercalando com econômicas, mas precisas, sequências de ação. Mesmo com uma trama que se desenvolve muito mais em diálogos e nos ambientes fechados de gabinetes, a tensão é sempre constante. Tal opção formal e temática não é gratuita, tornando “Tropa de Elite 2” uma obra bastante diversa daquela que a precedeu. Se nesta enxergávamos quase que somente a violência de marginais reprimida sem concessões pelo BOPE, na continuação são expostas as possíveis causas da violência mencionada.
Por mais que a visão sobre a brutalidade do conflito entre a polícia e a marginalidade seja crítica, entretanto, é inegável que José Padilha se revela um exímio coreógrafo da violência cinematográfica. O cineasta faz questão de que o espectador não perca sequer um detalhe da ação. Perseguições, tiroteios e golpes são registrados com fotografia e montagem que privilegiam a clareza visual, ainda que em certos momentos assumam uma estética que beira o documental. É extraordinária, por exemplo, a tomada em que o enfurecido Capitão Matias (André Ramiro) interroga, com requintes de crueldade, um traficante: o enquadramento mostra os rostos dos personagens em posições contrastantes, ressaltando de forma assustadora a posição de fragilidade do marginal perante o policial.
Aliás, é de se destacar o trabalho de caracterização dos personagens, um dos grandes trunfos artísticos de “Tropa de Elite 2”. O já citado Capitão Matias, mais contido na primeira parte, ganha uma dimensão quase de possessão por se revelar uma extensão ainda mais furiosa do Capitão Nascimento. Já o Comandante Fábio (Milhem Cortaz) é a face de uma malandragem que oscila entre a ingenuidade e o puro cinismo, enquanto o miliciano Russo (Sandro Rocha) é um vilão antológico pela aura insidiosa que o cerca. Mas no campo da interpretação, nenhum deles consegue superar a gama de emoções que extravasa de Wagner Moura ao oferecer um Nascimento que flui com naturalidade entre a raiva e a frustração represadas e visíveis apenas no olhar até momentos de explosões temperamentais devastadoras.
Em meio a tantas qualidades que “Tropa de Elite 2” contém, há um detalhe que, em um primeiro momento, aparece como ponto negativo: a narração em off de Nascimento acaba se excedendo em contar detalhes da trama que já estariam suficientemente claras pelas próprias imagens expostas no filme. Essa mesma narração, entretanto, traz um dos aspectos mais desconcertantes da produção. É que na verdade ela revela uma visão subjetiva do personagem sobre os fatos e pessoas que o cercam, o que faz com que o espectador seja simpático à ideologia pragmática do mesmo. Mas tal visão não representa a posição de Padilha (e consequentemente do filme) sobre o que é mostrado na tela. Assim, ao longo da trama muitas das concepções de Nascimento se evidenciam como equivocadas e as aparentes certezas iniciais acabam demolidas. Ou seja, Padilha “induz ao erro” a platéia, fazendo com que ela deixe aflorar seus instintos e preconceitos, para depois questioná-la com veemência. A sutileza de tal abordagem qualifica ainda mais “Tropa de Elite 2” como uma das melhores obras cinematográficas de 2010.