Curta-metragem Secundas registra acontecimentos em ato
O curta-metragem Secundas, dirigido por Cacá Nazário, foi eleito pela Accirs o melhor de 2017. Leia aqui a resenha crítica de Matheus Bonez, especial para o site da Accirs
“A escola é o primeiro contato com a sociedade que a gente tem.” Poderia ser qualquer pessoa a falar isso, mas em Secundas, curta-metragem de Cacá Nazário, as palavras saem da boca de uma estudante. Adolescente, ela participou do movimento de ocupação das escolas públicas de Porto Alegre que resultou na também ocupação do prédio da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, em junho de 2016. O documentário, grande vencedor da Mostra Gaúcha de Curtas do 45° Festival de Cinema de Gramado, utiliza imagens gravadas, maior parte através de telefones celulares, dos próprios secundaristas, para contar este episódio que começou de forma pacífica e terminou com agressões físicas e verbais.
Se havia dúvidas sobre o que realmente ocorreu durante a ocupação, as imagens deixam bem claro: a partir do momento em que a Brigada Militar entrou no local, a truculência tomou proporções assustadoras. Sob os gritos dos jovens, que chamavam os policiais de fascistas e retrucavam que os próprios também eram prejudicados pelas ações do governo estadual, os agentes da corporação não se intimidavam e partiam pra cima dos adolescentes. Alguns eram puxados, outros empurrados. Contra boa parte dos jovens foram utilizados os tais sprays de pimenta, assim como não havia policiais do sexo feminino para lidar com as meninas. Também não faltam relatos de racismo, visto que um dos estudantes, por exemplo, foi alvo de comentários do tipo. “Tu nem era pra tá aqui, neguinho”, foi uma parte do que o rapaz teria ouvido. Um despreparo que fica evidente, só cabendo à justiça determinar a punição. Algo que não permanece claro até hoje.
Spray de pimenta dentro da garganta, dividir a cela com estupradores, traumas psicológicos, um jornalista preso (Matheus Chaparini, repórter do Jornal Já) com os manifestantes. Estes foram apenas alguns dos resultados da ação policial que pôs fim a apenas um capítulo da luta por melhores condições das escolas. As reivindicações eram das mais variadas: do acerto no parcelamento dos salários dos professores a reformas das condições precárias das salas de aulas. Em uma das escolas, por exemplo, um dos jovens, discutindo com uma mãe e tendo apenas o portão fechado para separá-los, comenta que o corrimão da escada do prédio dá choque. Um perigo para os alunos e qualquer outra pessoa que passe por ali. Mais do que isso, apenas uma situação que, por si sozinha legitimaria um grande protesto.
Porém, a batalha, assim como o documentário de Nazário, não parou por aí. Após o triste episódio, os estudantes tomaram as ruas para mostrar sua indignação com a violenta ação da polícia, que receberam comando do governador José Ivo Sartori. O filme chegou num momento mais do que pertinente. Em meio a uma era de repressão, censura velada (às vezes, nem tanto), falas esdrúxulas de quem se diz da “família de bem” brasileira, Secundas é o retrato do quão ineficientes e inescrupulosos são aqueles que deveriam zelar pelo bem estar da população, não repreendê-la por se manifestarem a respeito de direitos básicos. Como diz a letra de Menino mimado, música de Criolo que encerra o curta-metragem, meninos mimados não podem reger a nação. Casos como este só reforçam esta afirmativa. Ainda bem que a luta continua.