Páginas
Seções

Publicado por em mar 23, 2014 em Artigos |

Dialéticas de O Banheiro do Papa (O Banheiro do Papa, 2007)

banheiro_do_papaPor: Fatimarlei Lunardelli

O filme uruguaio O Banheiro do Papa (El Baño del Papa, 2007) repete em Porto Alegre um sucesso incomum que outras produções platinas já experimentaram. Em decorrência de uma afinidade cultural que aproxima o Rio Grande do Sul dos países vizinhos, um outro uruguaio, Coração de Fogo (Corazón de Fuego, 2002), anteriormente arrecadou mais na capital gaúcha do que em qualquer outro lugar no Brasil onde foi exibido. Para além da identidade cultural, cabe destacar os méritos desta bela obra na qual estréiam na direção de longa-metragem de ficção os uruguaios César Charlone e Enrique Fernández.

Há no filme uma combinação bem equilibrada dessas competências que cada um traz de uma trajetória firmada em outros setores da produção do cinema. Fernández é roteirista e combinou fatos reais com ficção para construir essa história ambientada na cidade onde nasceu. Trata-se de Melo, um lugarejo pobre e humilde na fronteira entre Uruguai e Brasil, que em 1988 foi visitado pelo Papa João Paulo II. O Banheiro do Papa acompanha a mobilização da população local para receber essa ilustre visita. César Charlone contribuiu com seu olhar de premiado fotógrafo, ele que concorreu ao Oscar por Cidade de Deus, em 2002.

O tema da imagem, e a ela associado o do olhar, perpassa o enredo e o filme. É através da televisão que a população daquele lugar distante entusiasma-se com a possibilidade de ganhar algum dinheiro extra vendendo comida durante a visita do papa, afinal, as reportagens reiteram que será um sucesso. Enquanto os vizinhos se alternam entre salsichas assadas e pastéis, Beto (César Troncoso) tem a idéia que lhe parece genial de oferecer um banheiro público. Com entusiasmo se põe a viabilizar o projeto que surge como alternativa para sua penosa vida de muambeiro, sempre às voltas com a fiscalização na fronteira. Em torno do personagem se desenvolve o núcleo dramático principal da narrativa, que aponta para uma diferença de visões de mundo entre as gerações. A filha, personagem que serve de contraponto não apenas a ela, mas a toda a comunidade, projeta uma saída para o futuro em outra direção.

Ao contrário dos populares de Melo, a garota Silvia (Virginia Ruiz) vislumbra na televisão a possibilidade de quebrar aquele ciclo de falta de horizontes em que todos parecem estar presos. É adolescente e sonha sair daquele lugar para ser repórter. Na tela onde os moradores vêem uma chance de ter um ganho pontual, ela vê uma porta de saída para outra realidade, diferente daquela que constitui a sua vida. O pai é um homem esforçado, que luta com dignidade pela sobrevivência, mas as soluções que apresenta são paliativas. De uma geração nova, a garota sonha com uma mudança mais profunda.

A mídia ocupa um lugar fundamental na estrutura da história desenvolvida e filmada por Charlone e Fernández. Ela é a falácia, ilude. Sendo falsidade, se contrapõe à verdade da experiência vivida. Mas ela também revela, num momento crucial do desenrolar dos acontecimentos, levando nossa pequena personagem a uma penosa tomada de consciência. O desfecho dessa dialética entre imagem e realidade é uma síntese comovente, de transformação da menina sonhadora em uma mulher capaz de compreender e aceitar. A imagem final remete ao mesmo processo de transformação no clássico Ladrões de Bicicleta (1948) de Vittorio de Sica, obra do neo-realismo cuja influência os realizadores assumem. Com isso, O Banheiro do Papa inscreve-se entre as obras humanistas do cinema, aquele que se ocupa do ser humano.

O Banheiro do Papa (El Baño del Papa)
Direção: Enrique Fernández e César Charlone
Roteiro: Enrique Fernández e César Charlone
Com: César Troncoso, Virginia Méndez, Mario Silva, Virginia Ruiz, Nelson Lence, Henry De León, José Arce, Rosário dos Santos e Hugo Blandamuro
País de Produção: Uruguai/Brasil/França
Ano de lançamento: 2007
Não disponível em DVD no Brasil
Duração: 90 minutos