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Publicado por em jan 30, 2017 em Notícias |

Dromedário no Asfalto é destaque no Santander Cultural

Nesta terça-feira, 31 de janeiro, o Santander Cultural dá segmento à seleção dedicada aos destaques do cinema brasileiro em 2016 contando com uma sessão de Dromedário no Asfalto. A exibição acontece a partir das 17h no Cine Santander em Porto Alegre.
A seguir, resgatamos os textos de André Kleinert e Siliane Vieira, publicados na época do lançamento da produção nos cinemas.

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Dromedário no Asfalto, por André Kleinert
18/08/2015 – Publicado originalmente no blog Anti-dicas de Cinema.

As praias do Rio Grande do Sul não são conhecidas exatamente por sua beleza. Ao contrário dos cenários paradisíacos dos litorais do Nordeste e de Santa Catarina, nos balneários gaúchos predominam aquele visual melancólico e bruto de areia dura, mar marrom e ausência de alguma vegetação vistosa. No inverno, tais praias ficam com uma atmosfera ainda mais sombria e desoladora. Ainda sim, dá para dizer que há algo de belo nessa feiúra. O próprio cinema gaúcho conseguiu captar um pouco da “magia” dessa atmosfera litorânea peculiar em filmes como Houve uma vez dois verões (2002) e A última estrada da praia (2011). Nesse sentido, dá para dizer que Dromedário no asfalto (2014) dá uma continuidade a essa tradição. Há sequências muito marcantes a retratar a beira-mar cinzenta e balneários isolados, com um registro audiovisual que configura uma ambientação soturna, por vezes até sugerindo algo como um dimensão paralela. Se o filme de Gilson Vargas se resumisse a ser um documentário de caráter sensorial sobre praias gaúchas mais obscuras, certamente poderia até ser uma obra mais cativante. Ocorre que o gênero da produção é outra e nessa vertente escolhida, o drama ficcional, a narrativa desanda. Dá para entender que a concepção temática e formal de “Dromedário no asfalto” traga elementos pessoais muito fortes de seus realizadores, mas o jeito como isso chega nas telas acaba sendo enfadonho. A narrativa com voz over do protagonista Pedro (Marcos Contreras) despeja um texto auto-indulgente e pedante, estando mais para má literatura do que para um recurso cinematográfico eficaz. Além disso, o roteiro se prende a um modelo de road movie óbvio que nunca realmente consegue decolar – nas andanças de Pedro vão aparecendo personagens que pouco acrescentam, funcionando mais como um escape burocrático para a trama. Vargas parece se conformar com truques narrativos manjados (afinal, quem ainda aguenta ver um filme com cenas de alguém olhando para o mar sugerindo reflexão e tristeza?). Ok, pode ser que haja espectador que se identifique com as angústias existenciais do protagonista e talvez assim “Dromedário no asfalto” cumpra alguma função artística, mas o fato é que as escolhas estéticas da obra a levam àquele limbo das produções que ficaram no meio do caminho.

 

Longa Dromedário no Asfalto será exibido em Caxias neste sábado, por Siliane Vieira
30/07/2015 – Publicado originalmente no Jornal O Pioneiro.

A jornada do personagem central do longa Dromedário no Asfalto vai de Porto Alegre a Montevidéu, do pé na estrada ao pé na areia, da carona em carro de família à carroceria de caminhão, do bailão sertanejo ao inferninho punk. Comum a todos cenários e situações do longa dirigido pelo gaúcho Gilson Vargas, apenas a solidão de Pedro (Marcos Contreras) e sua busca silenciosa. O filme, que circulou em festivais no ano passado, chegou aos cinemas brasileiros nesta semana. Em Caxias, ganha sessão especial neste sábado, às 15h30min, na sala Ulysses Geremia, seguida por um bate-papo com o diretor sobre as peculiaridades da produção e road movies em geral.
O vazio das belas panorâmicas — o caxiense Bruno Polidoro assina a fotografia do longa — conversa com o vazio que atravessa o protagonista e o resultado é um filme para sentir. A narrativa justifica-se lenta para ser saboreada aos poucos. O espectador caminha ao lado de Pedro sem saber praticamente nada a seu respeito, de onde vem ou para onde vai. Sua voz em off conta mais sobre ele do que propriamente os lugares por onde passa. Ora lendo uma carta escrita pela mãe (recém-falecida), ora verbalizando seus próprios pensamentos na imensidão deserta da paisagem, o texto é tocante e bem utilizado. “O silêncio é o som de todas as coisas em volta. Quanto mais calado eu fico, mais preciso ficar. Quando falo, estranho minha própria voz”.
Mas a solidão do personagem não preenche a telona sozinha. As figuras que cruzam o caminho de Pedro (ou seria ele ao cruzar o delas) trazem certo movimento à trama. Aí entra um dos principais acertos da equipe de produção: manter os olhos e as câmeras atentas às interferências do ambiente. Uma das cenas mais emblemáticas do longa, aliás, foi captada ao acaso: um caminhão carrega uma casa na carroceria, metáfora pronta para um forasteiro como Pedro. Pescadores, caminhoneiros, botequeiros e pescadores de verdade também são introduzidos ao universo do filme. Alguns deixam no personagem marcas de acolhimento e afeto — e não era exatamente em busca disso que ele caminhava?
Mas o ponto mais positivo com relação ao filme de Gilson Vargas não é exatamente a narrativa intimista que propõe, nem as poéticas imagens que oferece. Dromedário no Asfalto é resultado de uma constatação madura do cineasta e sua equipe: a de que o cinema existe (ou resiste) para além dos grandes orçamentos. Melhor ainda se for feito por um grupo de pessoas em sintonia e abertas a cooperação — nesse caso, com os uruguaios. A equipe viajou ao país vizinho seis vezes e rodou cerca de 10 mil quilômetros pesquisando e gravando. Ao levantar a bandeira da liberdade de criação, o filme abre caminho para o cinema autoral. E que essa viagem seja bem longa.