Festival Paulínia de Cinema
Por Maria do Rosário Caetano
Assisti a 16 longas-metragens no Fest Paulínia (toda a competição de fic e doc), mais o filme inaugural “O Beijo da Mulher Aranha” e o filme de encerramento “400Contra1”, além de dois nas paralelas (“Cabeça a Prêmio” e “Gui & Stopa”). Assisti a todos os debates (curta regional, curta nacional, doc e fic brasileiros). Participei do Encontro da Crítica e de um Encontro sobre Políticas Públicas para o Cinema. Foi uma pauleira brava. A seguir, alguns destaques do festival.
CINEMA BLACK
A coisa estava PRETA em Paulínia. Felizmente. Nunca se viu tanto cineasta negro, tanta trilha balançante (de “Bróder”, com BenJor, Racionais & assemelhados, de “5XF”, de “400Contra1”, este com muito funk reunido pelo craque Max de Castro….).
Na tela, também muito astro black: um monte em “5XF”, um monte em “Bróder” (João Acaiabe e um sobrinho, Silvio Guindane, também em 5XF, Jonatahn Haagensen: aprendi que fala “HOguensen”!!, Cinthia Rosa, namorada dele em Bróder e na vida real, Roberta Rodrigues, o grande Flávio Bauraqui, etc, etc, etc. E um FIGURAÇO chamado William Lima, o Feijão. Este roubou a cena: Ex-traficante, hoje integrante do Afro-Reggae, ele testemunhou: “Imaginem comigo: o que poderia fazer um cara que mede 1m58, nasceu pobre na favela e cujo maior sonho era ter uma geladeira cheia de iogurte e calçar o tênis da hora? Ir para o crime. Eu fui. Virei chefe de boca de tráfico…” Mas ele deixou o tráfico, foi peça-chave no filme “5XF”, já foi aos EUA mostrar que é possível mudar de vida…etc, etc. Assistam no site do filme “5XF” ou no You Tube o depoimentos dos atores black de “Agora por Nós Mesmos” e do divertidíssimo Guilherme Duvivier, que brincou: “entrei no filme graças à reserva garantida pela cota de atores brancos!!”…. No “400Contra1”, há um bando de seis integrantes. Quatro são black. Dois brancos (Daniel Oliveira é um deles). Mais Lui Mendes, Negra Li…. Em, “Bróder”, Caio Blat ganhou pinta de “mano” da periferia. Ele disse a Jeferson De que um de seus sonhos era interpretar/ser um preto. Conseguiu. O filme é ótimo. Um dos destaques de “400Contra1” é Fabrício Boliveira. No curta Ensolarado, o diretor Ricardo Targino e atores se orgulham de ser black (…) Em Lixo Extraordinário, dois black roubam a cena: Tião Marat, líder dos Catadores/Recicladores, e seu braço direito, Zumbi…
A “coisa” EMPRETEJOU em Paulínia. O festival vai ficar na história por ter sido a mais BLACK das vitrines festivaleiras do país!!!! ViVa o PODER NEGRO!!!! Viva o Dogma Feijoada. “É nóis na fita, mano!! É nóis por nós mesmos” dirigindo filmes.
MALU DE BICLICLETA & MARCO CESANA
A trupe do delicioso filme “Malu de Bicicleta”, comandada por Flavio Tambellini, não se cansou de prestar homenagens a Marcos Cesana, ator que morreu dois meses antes do filme chegar a Paulínia. Ao receber o trofeu “Menina de Ouro” de melhor ator, Marcelo Serrado dedicou o prêmio a Cesana. Por falar em Serrado: vocês vão adorar vê-lo dizendo um texto de uma certa certa a la Jean-Pierre Léaud. Lembram deste diante do espelho repetindo Cristine Tabard, Cristine Tabard!!!! Pois o filme homenageia a Nouvelle Vague com humor e leveza. Encantador.
RUY GUERRA
Eu sonhava ver Ruy Guerra em “5XF”. Afinal, ele era o elo entre o projeto de 62 (CPC-UNE) e o projeto atual. Renata Magalhães me alertou que há outro elo (Zózimo Bulbul). Tinha visto foto de cena de Ruy no filme (em O Globo): na pele de um dono de boteco de favela. Pensei que era uma ponta. Não é. É um papel de peso. Ele faz um vendedor de galinhas e frangos, portuga e torcedor fanático do VASCO DA GAMA. Um personagem hilário e de muita importância no episódio que mais risos arrancou da platéia: Arroz com Feijão. Grande Ruy: ator de Herzog, Rouquier, etc, etc. Além dele, Dandara é atriz no primeiro episódio (protagonizado por Guindane) e Janaína Diniz é assistente de direção. O Clã Diniz Guerra em peso na fita!!!
CIAVATTA & REGINA CASÉ
Esta dupla ainda vai dar muito o que falar no cinema brasileiro. Depois do belo “Nelson Sargento”, Estevão se dedicou de corpo e alma à TV. Regina fez (e faz) TV e protagonizou o delicioso EU TU ELES. Os dois produziram, pela Pindorama, o belo (e subestimado!!) documentário “Programa Casé”. Filme rigoroso, de montagem econômica, ótimos depoimentos (os últimos de Caymmi, Jonjoca e Braguinha)… muitas qualidades… Muitas mesmo!!!
Um parêntese: brincamos, em Paulínia, que Ciavatta e Regina podem anunciar o filme com o seguinte solgan “um filmusical brasileiro sem depoimento do onipresente Nelson Motta”. Pois agora, a dupla prepara o longa documental “Zeca Pagodinho”. Depois a ficção SAARA, sobre a zona de comércio popular no Rio. Fizemos, com Estevão e Regina, ótimo debate em Paulínia. Aguardem, pois irá parar no site da Pindorama ou no You Tube. Ciavatta sofreu grave acidente (caiu de um cavalo, no sítio deles). Enfrentou tratamento rigoroso. Mas está ótimo, com o pensamento a mil!!! Ele contou o que passou numa matéria muito bem-humorada (apesar de tudo que sofreu) em O Globo. Recomendo!!!
CAROL ABRAS
A jovem atriz, revelada por Esmir Filho, e premiada pelo/a “Marcim” de “E Se Nada Mais Der Certo” (Belmonte) encantou a todos no debate do curta “Estação”, de Márcia Faria. Como a diretora está no Xingu, filmando com Cao Hamburger, foi representada por Carol e pelos produtores (Gullane Filmes). Ela contou que, mesmo depois de participar da novela “Paraíso”, na Globo, fez questão (e conseguiu) de morar na Rodoviária do Tietê (a maior da América do Sul), incógnita, para vivenciar (em processo de laboratório) tudo que a atriz que inspirou o filme (um fato real) viveu: ou seja, passou temporada “morando” na Estação, tomando banho com lenços higiênicos, comendo pão-de-queijo, dormindo em bancos (ou no chão, quando tinha que enfrentar os guardas do local). Um esforço raro para uma atriz de curta-metragem. Além de talentosa, muito inteligente.
LIBANESES NO BRASIL
Márcio Cury e seus atores estão em Paulínia preparando-se para filmagens nos estúdios locais de um novo roteiro de Di Moretti: “A Última Estação”. O filme me fez dar uma senhora “rata”. Di Moretti me contou, uns dois anos atrás, a história do sogro dele, o jornalista e escritor George Bourdokan, que eu costuma ler na revista Caros Amigos. Ele veio do Líbano, ainda criança e, ao desembarcar no Porto de Santos, ficou surpreso ao ver um estivador negro carregando um saco de farinha. Ele nunca tinha visto, no Oriente Médio, uma pessoa de pele preta. Di me contou outras histórias do sogro …
(Um parêntese para outra história curiosa, que me foi contada por José Geraldo Couto: a escritora Judith Patarra, biógrafa de Yara Iavelberg e mãe da atriz e roteirista Dani Patarra, veio para o Brasil num navio, no qual viajava a Seleção Brasileira. Isto nos anos 30. O craque da nossa Seleção era Leônidas da Silva, o Diamante Negro. Judith era menina e assustou-se ao ver aquele homem negro, de porte atlético. Vinha da Alemanha e nunca vira um homem preto. No começo, assustou-se. Depois ficou amiga dele (a viagem era longuíssima naquele tempo) e teve o prazer de sentar-se no colo dele e lembrar, com orgulho, desta história, que contava feliz aos amigos).
Voltando ao filme do Márcio Curi: Leila Bourdokan, da equipe do Espaço Unibanco de SP, prometeu me apresentar o pai dela, em Paulínia. Na correria, não conseguimos compatibilizar horários.
No dia da coletiva do filme vi, no hall do Estúdio Azul, um homem com aparência de uns 60 anos e barba. Fui até ele, efusiva e comecei a falar: “sou amiga de sua filha, Leila, lia seus textos na Caros Amigos, estou curiosa para ver sua história no cinema… e segui falando, sem parar.
O homem me olhava, calmo, mas espantado. Quem seria aquela brasileira tão efusiva e falante, que não calava a boca????? Sim, pois não era George Bourdokan o homem que eu importunava falando como uma matraca. Alguém da equipe percebeu o erro e me avisou que aquele era o ator libanês Munir Maasri, protagonista do filme. Ele até fala português, pois é casado com uma brasileira… mas não entendeu minha falação acelerada e, para ele, sem nenhum sentido. Mesmo assim, foi gentil.
Na coletiva, os atores (incluindo, claro, Munir Maasri) se apresentaram (João Antônio Esteves, Chico Santana, Sérgio Fidalgo e a jovem Clara Lobato). Beth Curi, a produtora-executiva, falou das locações (além de Paulínia: Anápolis, porto de Santos, Belém do Pará e, tudo indica, o Líbano). Márcio Curi, que montou “Meteorango Kid” e produziu “Louco Por Cinema” (ambos de André Luiz Oliveira), co-dirigiu “A TV Que Virou Estrela de Cinema” (longa infantil) e, agora, fará sua estreia solo na ficção. Ele calcula que o filme custará apenas R$2 milhões, graças a muitas parcerias. A direção de arte será do baiano Moacir Gramacho, diretor do Teatro Castro Alves.
BABENCO & BURT LANCASTER
Babenco contou aos jornalistas as razões do agradecimento que fez a Burt Lancaster (1913-1994) nos créditos do “Beijo-Aranha”: “ele ia interpretar Valentin, o personagem que coube a William Hurt (e lhe renderia uma Palma de Ouro e um Oscar), mas ficou doente na ocasião. A filha dele me avisou que seria impossível. Babenco acredita que Burt Lancaster, que trabalhou com Visconti (O Leopardo e Violência e Paixão) sonhava interpretar um homossexual como Valentim. Tanto que o ajudou muito na fase de pré-produção do filme. Como “O Beijo da Mulher Aranha” demorou a se concretizar, tudo mudou. Perdemos a chance de ter o grande ator num filme brasileiro.