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Publicado por em out 5, 2020 em Artigos |

Gramado em compasso de espera

Por Amanda Aouad, integrante do Júri da crítica Accirs/Abraccine do 48º Festival de Cinema de Gramado

O olhar observativo na competitiva internacional 

Em sua 48ª edição, o tradicional Festival de Gramado foi parar na tela do Canal Brasil. Ironia que nem Wim Wenders e seus convidados poderiam prever no documentário Quarto 666 onde provocativamente questionavam sobre o futuro do cinema e a possível substituição pela televisão. Mas, diante da pandemia, foi a solução possível para não interromper a sequência de exibições. Funcionou inclusive para que mais pessoas pudessem ter acesso às exibições.

Em casa, longe da experiência coletiva, da tela grande, da acústica favorável, Gramado pode resistir em 2020, apesar de tudo e até mesmo de uma seleção irregular, em especial na competitiva de longas nacionais. A competitiva internacional também não arrebatou grandes emoções, ainda que trouxesse maior equilíbrio. Curiosamente trouxe, também, um olhar observativo que chama a atenção. O único documentário selecionado foi o uruguaio El gran viaje al país pequeno, de Mariana Viñoles que levou o prêmio da crítica, mas os demais longas, todos de ficção, parecem seguir uma linguagem documental, em um ritmo próprio de compasso de espera que combina com o estado atual.

La Frontera, de David David

Tanto o paraguaio Matar a un muerto, de Hugo Giménez quanto o mexicano La Frontera, de David David (que levou o kikito de melhor filme) trazem personagens em uma espécie de hiato temporal que nos conduzem em uma rotina de espera, onde o lírico parece ditar o ritmo e o conflito dramático parece hibernar em tela. Isso não significa que não existam conflitos, mas apenas que o tratamento deles parece ser construído mesmo em outro compasso. Seja em uma floresta no meio do Paraguai no período ditatorial ou na fronteira entre Colômbia e Venezuela.

Já o belo Los Fuertes traz a rotina de uma pequena cidade litorânea chilena para contar a história de amor entre Lucas e Antonio. O roteiro também não tem pressa em contar essa história, vai flertando junto com eles, tanto na naturalidade do encontro quanto nas dificuldades que enfrentam. Mesmo o principal conflito da trama que é Lucas estar ali de passagem, é desenvolvido sem pressa. O rapaz está ali visitando a irmã antes de se mudar para o Canadá e toda a narrativa traz essa sensação do que está por vir, tal qual as obras anteriores.

Esse lugar de espera é também o de Néstor, o protagonista do filme mexicano Dias de invierno, que aguarda ansiosamente o dia em que poderá se mudar para os Estados Unidos. Mesmo o mais frágil da competitiva, o filme argentino El Silencio del cazador também baseia a sua narrativa nessa rotina observativa. Em uma tentativa de construir sempre uma metáfora com a caça, traz a rivalidade entre um pecuarista e um guarda florestal que além das divergências políticas também disputam o amor da mesma mulher. E talvez tenha nas escolhas estéticas da construção do ponto de vista nas cenas da floresta seu maior mérito.

Por fim, o documentário El Gran viaje al país pequeño se vale dos elementos da narrativa para nos apresentar o drama sírio. Exilados migram na esperança das promessas de vida melhor no Uruguai a partir do convite do presidente Mujica, mas encontram no país latino dificuldades que tornam o sonho uma decepção. Sem medo de expor as fragilidades de sua terra, a diretora elege um casal com dois filhos e um terceiro a caminho para serem seus protagonistas.

Através da observação da jornada daquela família, a projeção vai se desenrolando em etapas, sempre com uma câmera presente, mas que busca interferir o mínimo na realidade. Viñoles também não se furta a um viés crítico, desvelando as nuanças da realidade de seu país e daquela promessa de sonho dourado para aqueles refugiados. Há como nos filmes ficcionais, uma sensação de não pertencimento ou procura por seu lugar no mundo. Mesmo os que se adaptam à realidade, parecem querer se mudar em alguma instância.

O tempo, mais vez ocupa um espaço de protagonista como se aqui e em toda a seleção da competitiva um recado estivesse nos sendo dado. Paciência. Diante da realidade que vivemos, é mesmo o que nos resta ter. “Vai ficar tudo bem”, nos lembrou os dizeres no palco do Palácio dos Festivais durante todo o evento. Esperamos que sim.