Gustavo Spolidoro debate filme Errante
Projeto realizado por um homem só Errante – Um Filme de Encontros integra a Seleção de Cinema Brasileiro do Cine Santander, com exibição nesta quarta-feira, 25 de janeiro, em sessão com debate às 19h, com a presença do cineasta Gustavo Spolidoro. Reproduzidos dois textos publicados pelos associados da Accirs, por ocasião do lançamento do filme, em 2016.
Documentário “Errante”, de Gustavo Spolidoro, acompanha personagens encontrados ao acaso pelas ruas
Daniel Feix – 01/09/2016 – Jornal Zero Hora
Errante, o mais recente longa-metragem de Gustavo Spolidoro, é “um filme de encontros”, como indica o complemento ao título. É também “um filme de um homem só”, que o cineasta rodou sozinho durante o Carnaval de 2011, guiado pelo acaso – e por um sonho, como explica na sequência de abertura, na qual o espectador o vê acordar, escovar os dentes e relatar:
– O plano era levantar e filmar o que sonhei. A viagem é que acordei às 7h sem ter sonhado nada. Mas aí me veio a imagem da Lancheria do Parque à cabeça.
A partir do tradicional ponto de encontro do bairro Bom Fim, em Porto Alegre, a câmera segue diversos personagens com os quais o diretor esbarra nas ruas. O longa surgiu de um projeto de mestrado inspirado em Os catadores e eu (2000), de Agnès Varda, entre outros títulos realizados por artistas solitários. Spolidoro escreveu e defendeu a dissertação e depois foi rodar o filme, que a partir desta quinta-feira pode ser visto pelo público na programação diária da Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro – a sessão das 19h desta quinta é gratuita e será seguida de debate com o diretor, que também ministrará o curso Cinema de uma Pessoa Só, a partir de terça, na Cinemateca Capitólio (inscrições devem ser feitas até esta sexta-feira pelo e-mail cinema1pessoa@gmail.com).
– A sequência de fatos da narrativa acaba representando a minha percepção da vida, que se constitui de forma fragmentada e associativa – assinala o cineasta. – Ou seja, se eu não tivesse que parar para dormir, provavelmente estaria até hoje filmando, já que uma coisa sempre se liga à outra.
Há uma linha evolutiva, por assim dizer, na pesquisa de linguagem de Spolidoro, que antes assinara o drama em plano-sequência Ainda orangotangos (2007), depois deu um segundo passo em direção ao realismo com o documentário Morro do céu (2009) até desembocar neste terceiro longa, construído a partir da busca pela espontaneidade no encontro entre documentarista e documentado.
Ele realmente fez tudo sozinho, no set e depois das filmagens – até a distribuição, o que ajuda a explicar o fato de Errante estar estreando em uma única sala. Podia ser mais. Documentários que dependem da empatia de seus personagens para conquistar o espectador costumam ser irregulares, o que o diretor dribla com uma dinâmica estimulante – dispõe-se a viajar ao Interior para acompanhar um casal, além de despender pouco tempo com as histórias menos interessantes com as quais naturalmente cruza.
Já a explicação para que, mesmo sem produção e investigações prévias, tenha encontrado bons personagens Spolidoro encontra em uma frase que faz referência ao pensamento de Agnès Varda e também do veterano documentarista Frederick Wiseman:
– O acaso foi o meu melhor assistente.
ERRANTE – UM FILME DE ENCONTROS
De Gustavo Spolidoro.
Documentário, Brasil, 2014, 70 minutos.
Errante – Um filme de encontros, de Gustavo Spolidoro
André Kleinert – 12/07/2016 – Blog Anti-Dicas de Cinema
Em relação ao longa-metragem anterior de Gustavo Spolidoro, “Morro do céu” (2009), o filme mais recente do diretor gaúcho, “Errante – Um filme de encontros” (2014), representa uma radicalização dentro da sua concepção no gênero documentário. Spolidoro deixa a narrativa e a câmera fluírem de acordo com seus sonhos e devaneios, além de contarem também com os acasos do destino. Não se trata de uma obra que busca a perfeição formal e mesmo uma linha temática que se mostre coerente sempre. Por vezes, tal síntese estética-existencial é incômoda, quase resvalando num aparente “amadorismo”, principalmente em seu terço inicial, quando o cineasta parece estar procurando um caminho mais definido e deixa expresso para o espectador suas inquietações e ambições para o seu filme. Numa dessas suas digressões, Spolidoro cita Jean Rouch e isso não é gratuito, pois “Errante” trafega numa bifurcação entre o documentário etnológico de Rouch e o gosto pelos depoimentos de entrevistados que variam naturalmente entre o banal e o profundo que era típico na filmografia de Eduardo Coutinho. Essa junção de influências e referências, contudo, não implica num simples pastiche de estilos alheios. Pelo contrário: há uma aura de certa originalidade que em determinado momento, de maneira sutil, envolve a plateia pela maneira como o insólito se insere dentro do cotidiano. Dentro de um “roteiro” em que convivem em bizarra harmonia na mesma trama estrangeiros radicados no Brasil ou apenas de passagem, idosos aposentados jogando conversa fora ou vagado pela cidade num rumo obscuro, um criador de marionetes, um jogador de bocha que se diz entendido em fósseis, gatos domésticos e cachorros vira-latas, o fluxo sensorial e mesmo conceitual da câmera de Spolidoro deseja se interligar com o olhar do próprio espectador ao sugerir que se esse último concentrasse a sua atenção naquilo que lhe parece corriqueiro e desimportante poderia encontrar algo de estranho e fascinante, e , quem sabe, haveria até a possibilidade de ingressar universo quase paralelo.