Menos Tripas e Sangue e mais Humor e Fantasia
Por Jaqueline Chala, jornalista produtora do programa Na Trilha da Tela da Rádio FM Cultura, integrante do Júri Accirs dos Curtas-Metragens do Fantaspoa 2018.
A seleção de curtas do Fantaspoa 2018 não fugiu a sua proposta de buscar o cinema autoral e de diferentes cinematografias. Os resultados, porém, nem sempre foram dos mais entusiasmantes, especialmente em relação a amostragem brasileira. Entre os selecionados da mostra nacional é possível destacar poucos curtas originais e instigantes como Casa Cheia, de Carlos Nigro. Sua proposta de criar tensão e terror psicológico ao retratar uma pessoa doente e sozinha numa residência apenas aparentemente vazia abre-se a inúmeras possibilidades de interpretação, seja a presença mesma do sobrenatural ou a própria instabilidade mental da protagonista. Filmado utilizando-se de uma iluminação difusa e com enquadramentos que fazem uso quase sempre dos reflexos das imagens, Casa Cheia é um curta bem acabado e com uma rica cenografia.
Outro destaque entre os nacionais foi o curta O Bosque dos Sonâmbulos, de Matheus Marchetti, cuja trama desenvolve-se no ritmo de um musical, com números bem acabados e que se incorporam a narrativa de forma orgânica. Outros como Children of the Cosmos, apesar de sua veia bem humorada e que retrata parte do caráter brasileiro ao narrar uma partida no espaço sideral, pouco consegue mostrar a que veio. Este é o caso ainda de O Lamento da Serpente, de Guilherme Da Costa, cuja história associada à tragédia de Mariana, em Minas Gerais, ensaia uma crítica ao descaso governamental mas se perde na sua própria prolixidade. Há ainda o caso de Para Salvar Bethe, filme de Theodoro Cochrane e Alan Medina, cuja trama anda a esmo e acaba perdendo uma ótima oportunidade de falar sobre o tratamento desigual dispensado a humanos e a seus animais de estimação. Ainda entre os curtas nacionais vale destacar Redoma, de Amanda Martins, da Fundação Armando Alvarez Penteado, que, com uma bela fotografia em preto-e-branco ensaia uma proposta interessante entre o poder da imagem como forma de apreensão do mundo e sua capacidade de suprir afetos.
Já entre os curtas estrangeiros temos muito mais bons exemplos do que decepções.
É o caso de La Fuite, o filme de Damien Stein, da França, que utiliza a técnica da colagem de fotografias para narrar a história de um homem que acaba de sair de um relacionamento e que, além da companheira, começa a perder também toda a mobília da casa. A “fuga” dos móveis de dentro do apartamento é um marcador bem humorado da sensação de abandono proporcionada pelo fim de um relacionamento. Outro destaque desta mostra foi The Sound, dirigido por Antony Petrou, do Reino Unido, que promove um terror psicológico genuíno e de origem nunca evidente sobre o som misterioso que desmantela uma família interiorana. Por sua trama, The Sound, se associa ao melhor do cinema de suspense de Hitchcock a Cassavetes. Nesta categoria pode-se citar ainda o curta croata Mary, de Juraj Primorac, que, além do ótimo protagonista, tem uma história que alude a religiosidade recalcada dos países do leste europeu. Outro curta interessante é Between the Parallel, da Nova Zelândia, pela trama que associa os problemas emocionais de uma garota a uma luta samurai. Podemos citar ainda Möbius Bond, da Lituânia, curta que, com uma estética a la Blade Runner, narra a história de uma garota que sofre no próprio corpo a desorientação provocada pelas evidências da teoria do cientista August Möbius. Ainda entre os curtas estrangeiros há vários exemplos de filmes que apostam no humor, mesmo em meio a produções precárias, como é o caso de Psycho Kino, da Espanha; Blood Shed, do Reino Unido; e Born Again, dos Estados Unidos.
Já entre as animações há muito o que comemorar. A seleção conseguiu trazer filmes criativos e visualmente bonitos. É o caso de Dead Horses, de Mark Riba e Anna Solanas, da Espanha, que utiliza o olhar infantil para traduzir o horror da guerra, numa bela metáfora ligando a morte dos animais aos deslocamentos provocados pelos conflitos no mundo. Outro belo curta de animação trazido pelo Fantaspoa foi o mexicano Ascension, de Samantha Pineda Sierra e Davy Giorgi, cuja história sobre um demônio que se transforma em meio a uma epidemia na sua cidade repleta de seres malignos tem clara associação a Senhor dos Anéis. Outro mexicano belíssimo é a animação The Guarden of Delights, de Alejandro Male Garcia Cabellero, cujo colorido nos remete diretamente à rica cultura daquele país. Há ainda o conto soturno e nostálgico Catherine, da Bélgica, sobre a relação de uma menina solitária e seu gato, e também o excelente Nocturne, stop- motion alemão, sobre um bizarro jogo onde criaturas da floresta apostam partes de seus corpos.
De um modo geral, os curtas dos Fantaspoa 2018 apostaram menos no modelo “tripas e sangue aos borbotões” e mais num gênero de filme que se aproxima da fantasia, do bizarro e do suspense.