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Publicado por em mar 24, 2014 em Artigos |

O Festival da Crítica

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Por Ivonete Pinto

O Festival de Gramado teve origem em uma demanda turística (a antiga Festa das Hortênsias mostrou que a cidade poderia criar outro evento para trazer turistas a Gramado). Então, é legítimo iniciar este artigo registrando o quanto o comércio da cidade é predador: pratica um péssimo serviço, com preços obscenos que chocam até milionários. E pior, sonega impostos a olhos vistos. Da loja de meias ao restaurante, ninguém dá nota fiscal.

Já o Festival… O 38º do Festival de Cinema de Gramado apresentou uma seleção frágil na mostra de filmes brasileiros, de alta qualidade na latina e desigual na de curtas-metragens. Na latina, todos os filmes valiam a pena ser vistos, com destaque para o soberbo colombiano El Vuelco del Cangrejo, de Oscar Ruiz Navia. Nos curtas, Haruo Ohara, de Rodrigo Grota, conviveu com A Minha Alma é Irmã de Deus, de Luci Alcântara, sem dar para entender por que estavam no mesmo festival (a seleção de curtas é feita por comissão específica. Ver artigo de Marcus Mello neste dossiê, que explica o desatino).

A curadoria para os longas, de José Carlos Avellar e Sérgio Sanz, embora tenha tido o inegável mérito de algumas vezes conseguir, na mesma sessão, casar filmes que dialogam entre si, e de trazer a Gramado um cinema latino expressivo e rigoroso, não acertou a mão nos brasileiros. Dos filmes nacionais concorrentes, apenas Bróder, de Jeferson De, e Diário de uma Busca, de Flávia Castro, são produções à altura de um evento que almeja apontar novas tendências para o cinema. Bróder, não por acaso, foi o Melhor Filme pelo Júri Oficial e Diário o melhor pelo Júri da Crítica e Júri dos Estudantes de Cinema. Os outros títulos (O Contestado- Restos Mortais, O Último Romance de Balzac, Não se Pode Viver Sem Amor, 180º , Enquanto a Noite Não Chega e Ponto Org) possuem tantos problemas – da direção frouxa à inadequação de linguagem –, que deixaram as diversas categorias de jurados e a crítica visivelmente preocupados. A cada fim de noite, renovava-se uma súplica muda (e às vezes nem tão muda assim) para que a noite seguinte pudesse ser melhor.

Olhando com distanciamento, percebe-se que a mistura entre o démodé e o falso moderno não deram bons resultados. Parece que para compensar a entrada de filmes como Contestado e Não se Pode Viver Sem Amor, velhos e carcomidos em suas concepções, selecionaram Ponto Org, um pseudo oposto destes. Sobre os dois primeiros, o texto de Daniel Feix neste dossiê sintetiza bem o “acontecido”. Sobre Ponto Org, este tem, de fato e já a partir do título, a pretensão de expressar-se através da contemporaneidade das novas mídias. O problema é que a movimentação de câmera, a fragmentação narrativa, o excesso de personagens rasos e um desenho de som irritante, resultaram num filme epilético, com o perdão aos que sofrem da doença. O filme faz lembrar Nome Próprio, de Murilo Salles (2008), justamente porque neste a linguagem da internet estava a serviço de um roteiro bem construído, de personagens fortes e claramente delineados. E a câmera na mão de Murilo apenas nos inseria no clima do enredo. Já em Ponto Org a câmera atrapalha, torna-se obstáculo. É claro que as intenções foram as melhores, sendo que a opção pela forma “nervosa” de imergir o espectador no universo caótico do centro de São Paulo é compreensível. Infelizmente, pelas razões apontadas, não alcança o efeito da sinfonia, nem da cacofonia.

Mas verdade seja dita: não se faz um festival somente de filmes concorrentes. A mostra paralela chamada Panorama, também de responsabilidade da curadoria (premiável apenas pelo Júri dos Estudantes) apresentou um vigor poucas vezes visto em Gramado. Títulos como Terra Deu, Terra Come, A Última Estrada da Praia e Chantal Ackerman, de Cá valeram a semana estendida de nove dias. Sem falar do último longa exibido, hors concours, Ex Isto. Este filme do mineiro Cao Guimarães é de uma beleza, de uma inspiração e de uma inteligência, que transformou o público do Palácio dos Festivais em espectador privilegiado por poder vê-lo em primeira mão. Curioso é que, assim como Cao Guimarães, a diretora de Ponto Org, Patrícia Moran, tem origem no movimento de videoarte de Minas Gerais. Cada um faz o que pode.

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A crítica

Filmes a parte, o 38º do Festival de Cinema de Gramado foi marcado como o ano da crítica. O número de eventos envolvendo os profissionais da crítica de cinema nunca foi tão expressivo quanto nesta edição, positivamente chamando a atenção de jornalistas acostumados a cobrir festivais pelo país. E, cabe informar, José Carlos Avellar é uma espécie de padrinho por ter incentivado algumas mudanças no júri da crítica, que começaram a ocorrer ainda em 2008.

A ACCIRS promoveu o Encontro “A Crítica de Cinema e as Novas Mídias”; a revista “Filme Cultura” reuniu críticos para falar desta publicação que retorna e que trata exclusivamente de cinema brasileiro; a entidade gaúcha também realizou uma oficina de crítica em parceria com o Festival e coordenou pela segunda vez a júri da crítica, num formato que está servindo de referência a outros festivais. A revista Teorema Crítica de Cinema lançou sua 16ª edição no festival e no último dia, sábado, os críticos reuniram-se para discutir a criação de uma entidade nacional que venha agrupar os críticos, visando principalmente organizar os júris da crítica e melhorar as condições de trabalho nos festivais.

Foram ações que promoveram a troca de ideias entre profissionais dos mais diferentes estados, tipos de mídias e veículos, e que revelaram sobretudo o surgimento de uma nova geração de críticos. A convivência entre as várias gerações mostrou-se produtiva especialmente no encontro que discutiu as novas mídias. A seguir, um resumo do relato das experiências dos convidados do encontro “A Crítica de Cinema e as Novas Mídias”, mediado pelo crítico de Zero Hora e presidente da ACCIRS, Roger Lerina:

Neusa Barbosa (fundadora e editora do site cineweb) – Neusa lembrou que o cineweb foi criado há 10 anos e passou por várias fases. Atualmente, opera como um fornecedor de conteúdo para dois grandes portais, UOL e Reuters. Sobre sua experiência cobrindo festivais de cinema, incluindo certames importantes como o de Veneza, disse que no início não era comum o credenciamento de veículos da internet, mas que hoje o respeito pelos profissionais destas mídias aumentou. “Os festivais não nos credenciavam, mas as coisas mudaram. Atualmente, a Internet é fonte primária de informação e muitas vezes a única fonte.”

Luiz Zanin Oricchio (crítico do jornal O Estado de São Paulo, mantém um blog sobre cinema e futebol hospedado no site do jornal) – Um dos primeiros blogueiros do Estadão, afirmou que a experiência revelou-se muito interessante. “É a parte mais experimental do meu trabalho. Posso dizer coisas no blog que seria mais complicado dizer via jornal impresso.” Zanin também lembrou que o blog oferece mais liberdade ao crítico em função de não ter um espaço tão limitado, mas admitiu que a internet é apenas uma possibilidade adicional de seu trabalho. E referindo-se ao papel do crítico, lato sensu, concluiu que hoje há menos expectativa social pela reflexão sobre cinema.

Marcelo Miranda (crítico do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, e do site Filmes Polvo) – Marcelo declarou que fez sua formação cinematográfica em locadoras de vídeo e pelos filmes na TV. A primeira cobertura que realizou para um festival de cinema, o de Tiradentes, ainda como estudante de graduação. Colaborador do site Filmes Polvo, assina a coluna Contra-plongée. Tem feito cobertura de festivais para o jornal e para o site, agregando e ampliando conteúdos críticos e informativos. Cobriu o Festival de Cannes deste ano, pelo jornal, e enviou comentários para o blog do Filmes Polvo, sendo o autor de um já famoso filmete de Juliette Binoche chorando na coletiva de Kiarostami.

Marcos Petrucelli (crítico da Rádio CBN, fundador e editor do site epipoca) – Precursor dos sites especializados em cinema, o e-pipoca foi criado em 1996 e possui indexados mais de 30 mil títulos. Petrucelli informou que foi o único jornalista brasileiro de uma publicação da web a ser credenciado para cobrir a entrega do Oscar e que hoje a credibilidade das informações do seu site lhe permite ser fonte para o IMDB (International Movie Date Base). Enxergando-se como crítico e empresário, Petrucelli reconhece que é um desafio novo fazer crítica para um público amplo como o da rádio CBN, para onde envia boletins diários sobre lançamentos e faz a cobertura de festivais.

Francis Vogner (professor de cinema, crítico da revista eletrônica Cinética e colaborador da revista impressa Teorema e da extinta Paisá) – Conforme Vogner, a Cinética é resultado de uma dissidência do conceituado e pioneiro site de crítica Contracampo. Assim, Vogner insere-se num perfil de crítico que atua mais no formato “ensaio” do que no formato “crítica”, isto porque a revista adota como modelo textos reflexivos de revistas como a Cahiers du Cinéma. Por dois anos, Vogner foi editor da revista eletrônica Cine Imperfeito. Atualmente ensaia passar para o outro lado do cinema, escrevendo o roteiro para o próximo filme de Sérgio Bianchi.