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Publicado por em mar 24, 2014 em Artigos |

Pierino Massenzi: memória viva da Vera Cruz

por Laura Cánepa

12O cenógrafo e artista plástico italiano Pierino Massenzi, nascido em Roma em 1925 e radicado no Brasil desde 1947, deixou sua marca no cinema brasileiro como diretor de arte, cenógrafo e desenhista de produção de 47 longas-metragens realizados entre 1949 e 1973. Entre os filmes em que trabalhou, estão clássicos do cinema nacional como O Cangaceiro, Tico-Tico no Fubá, Ravina, O Assalto ao Trem Pagador, Noite Vazia, entre muitos outros. Por seu trabalho, recebeu quatro prêmios Saci, dez prêmios Governador do Estado de São Paulo e três prêmios da Associação de Críticos de Cinema do Estado de São Paulo.

Aos 83 anos e afastado do cinema há mais de 30, Massenzi nos recebeu em sua chácara na cidade de São Bernardo do Campo e revelou, nesta entrevista, sua história de vida, seu método de trabalho e muitas histórias sobre os conturbados bastidores da principal empresa em que trabalhou: a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, fundada em São Bernardo do Campo em 1949 com o objetivo de consolidar o sonho do cinema industrial paulista – sonho que se concretizou por pouquíssimo tempo.

Conte-nos um pouco de sua trajetória antes de chegar ao Brasil.
Pierino Massenzi – Nasci em Roma, em 1925. Minha mãe morreu quando nasci, então fui criado por uma outra família, mas com o acompanhamento do meu pai. Não fui adotado, mas apenas criado por eles. Meu pai manteve sempre o contato comigo, mas teve muitos problemas ao longo da vida: perdeu a esposa cedo, depois se envolveu num acidente no táxi que dirigia, também era chegado numas biritas… Ele era um homem muito triste. Por isso, fico muito feliz por ele ter conhecido minha esposa e minha primeira filha, por ter sabido do meu sucesso antes de morrer. Para mim, era muito importante que ele soubesse que eu tive uma família e uma posição na vida. Mas, claro, antes disso, vivi muitas coisas! (risos). Formei-me na Academia de Belas Artes de Roma, licenciado pelo Museu Artístico Industrial de Roma – e, enquanto estudava, lutei na guerra servindo na Cavalaria. Passei por poucas e boas, quase perdi uma perna, mas sobrevivi, me formei e me casei. Então, decidi tentar a vida no Brasil…

E como você se viu em terras brasileiras?
Pierino Massenzi – Vim ao Brasil em 1947, recém-casado com Gina Lombardi Massenzi (com quem completei, neste ano, 62 anos de casamento). Eu a havia deixado em estado interessante na Itália (risos), então vim primeiro, e ela veio em seguida com minha filha. Cheguei ao Brasil com uma mão na frente e a outra atrás, recém-formado, sem perspectiva de trabalho, pois o curso que fiz tinha uma grande bagagem teórica, mas eu não sabia ao certo qual seria a minha finalidade profissional. Chegando em São Paulo, fui contratado pela Light como projetista, mas os projetos técnicos nunca foram do meu agrado. Então, fui convidado para decorar uma igreja em Minas Gerais, mas briguei com o bispo Dom Salles de Oliveira Araújo, com o padre e com um monte de gente. Eles acabaram me mandando de volta para São Paulo, onde, por sorte, encontrei, na Praça da República, o cenógrafo da Vera Cruz na época, que era o Aldo Calvo. Eu já o conhecia de vista, e ele me convidou para ir trabalhar na Vera Cruz. Eu fui, como simples pintor de fundo de parede. Mas acontece que o Aldo Calvo não tinha vontade nenhuma de fazer cinema – ele era arquiteto – e eu fiquei tomando conta da cenografia do filme Caiçara (Adolfo Celi, 1950). Quando descobriram minhas qualidades, me perguntaram o que eu era, o que eu fazia, de onde eu vinha, e eu passei a ser o cenógrafo.

No cinema, o senhor se encontrou profissionalmente?
Pierino Massenzi – Sim! Cinema é uma cachaça! Eu estava fazendo um filme, e já pensava no próximo, e queria fazer cinco filmes ao mesmo tempo em todos os estúdios da Vera Cruz. Eram dias e noites sem descanso para entregar um serviço decente, com os parcos recursos da época. Sim, porque naquela época não tinha tudo pronto como tem agora: não tinha papel de parede, nem tingimento de mármore, nem flor de plástico. Hoje tem tudo… É só entrar e colocar. No nosso tempo não era assim: tínhamos que fazer peça por peça do cenário.

E como era o seu método de trabalho? De onde o senhor partia para fazer os cenários dos filmes? Do roteiro, da conversa com o diretor?
Pierino Massenzi – Eu lia o roteiro, mas sem me concentrar nos diálogos ou nos movimentos de câmera, pois o que eu queria era dar ao diretor um ambiente completo. Veja bem: como me formei na Academia de Belas Artes, eu também sou arquiteto, então tenho uma base para projetar, executar, decorar. Assim, entregava os cenários prontos, de acordo com a história. Criava todo um ambiente exterior e interior em continuidade, com todos os detalhes. Assim, o diretor do filme e o diretor de fotografia ficavam livres para criar o que quisessem naquele cenário.

Esses cenários eram todos construídos nos estúdios da Vera Cruz?
Pierino Massenzi – Quase todos. Para Tico-Tico no Fubá (Adolfo Celi, 1952), construí uma cidade cenográfica inteira no estúdio: reconstruí a barbearia, a prefeitura, o açougue, a casa da Maria Prado… Mas havia alguns filmes feitos fora dos estúdios. Um exemplo é o filme Luz Apagada (Carlos Thiré, 1953), que foi quase todo filmado em Angra dos Reis. Para este filme, fiz um farol de 20 metros na Ilha São João com areia da praia. Ele acendia a luz a partir de um gerador que ficava numa balsa. Os interiores desse farol foram feitos num galpão de sal onde agora fica a Usina Nuclear de Angra dos Reis. Mas essa foi apenas a primeira parte do trabalho, pois, quando chegamos em São Paulo, fomos obrigados a refazer uma boa parte do filme, então tive que reconstruir 60% dos cenários (que já tinham sido desmanchados) nos estúdios de São Bernardo. E tenho certeza de que ninguém notou a diferença.

Mas por que foi necessário refilmar?
Pierino Massenzi – Ah, minha filha, essa história… O que acontecia era o seguinte: existiam três grupos na Vera Cruz naquela época: o grupo dos italianos ligados ao Franco Zampari (eu fora, pois não puxava o saco de ninguém); o grupo dos brasileiros, como o Carlos Thiré, o Abílio Pereira de Almeida etc.; e o grupo de estrangeiros trazidos da Inglaterra pelo Alberto Cavalcante. O filme Luz Apagada era dirigido por um brasileiro estreante, então havia muita expectativa em torno dele. Mas o montador era o ioguslavo Oswald Hafenrichter, um homem talentoso e complicado. Ele fez a primeira montagem com 40 minutos, disse que precisávamos filmar mais, e isso foi feito. Mas tenho dúvidas se era necessário.

O Cangaceiro também foi filmado em locação, não é?
Pierino Massenzi – Sim, foi todo feito em Vargem Grande do Sul, em São Paulo, perto de Campinas. E, para ele, eu consegui produzir um ambiente agreste em São Paulo, o que não é fácil: escolhi as árvores, pintei-as de preto, botei cactos de gesso, mandacarus… Também fiz o acampamento dos cangaceiros, a escolinha da professora, o cartório… Tudo na locação. E, por ter sido em locação, a filmagem d’O Cangaceiro foi uma grande aventura…

O que aconteceu?
Pierino Massenzi – O acampamento da equipe foi feito na beira do Rio Jaguaribe, no verão. Para isso, o Lima Barreto trouxe um boletim meteorológico da Aeronáutica que dizia que não haveria chuva por lá em janeiro e fevereiro. Montamos todo o acampamento perto da cavalaria policial… e então choveu muito. Tanto que alagou todo o acampamento: a turma dormiu com água na bunda. Com isso, as filmagens atrasaram uns três meses.

E como era o clima da equipe no meio do barro e dos atrasos?
Pierino Massenzi – Vou lhe dar um exemplo de como as coisas funcionavam na Vera Cruz. Estávamos eu, o Lima Barreto (o diretor) e o Alberto Ruschel (ator e protagonista do filme) na mesma barraca. Mas acontece que chegou por lá o Caribé, artista amigo deles que acabaria sendo creditado pela direção artística do filme. Então, o Lima Barreto virou para mim e disse: “Ô, seu gringo filho da puta, sai daí que esse lugar é do Caribé”, e me expulsou da barraca. Era assim que a gente era tratado… Teve outra situação bem pior: tínhamos que levar o material para construir o acampamento dos cangaceiros num lugar de erosão. Botei o meu pessoal lá pra montar o cenário, e eles ficaram esperando água e comida. Passou o dia, e nada de água ou de comida. De noite, a gente veio a pé, com os caras me xingando. Passamos na cidadezinha e enchemos a cara. Cheguei no acampamento, já escuro, debaixo de uma lona amarela, e o pessoal da produção estava sentado nas mesas, comendo pato! Eu entrei na barraca de armamentos, peguei aquela metralhadora que o Lima Barreto dispara no chão, peguei o pente e entrei lá. O comandante da polícia montada precisou pular nas minhas costas para não sair uma arte… Foi um momento bem tenso, mas, no dia seguinte tinha água, tinha comida, tinha paz, tinha tudo! Essa era a Vera Cruz…

As coisas eram sempre precárias para uma parte da equipe, então?
Pierino Massenzi – Muito! No filme Ângela (Tom Payne e Abílio Pereira de Almeida, 1951), por exemplo, que foi feito em Pelotas, o dinheiro acabou bem antes de terminarmos o filme. Então me mandaram para São Paulo para pedir ao doutor Franco Zampari que mandasse o dinheiro. Era Carnaval, e ele estava no Guarujá. Cheguei ao apartamento dele às 4h da manhã e toquei a campainha. Ele abriu: “O que você está fazendo aqui?”. “Doutor Franco, acabou o dinheiro. O senhor precisa mandar dinheiro para eles em Pelotas, senão a rapaziada não sai de lá”. “Tá bom.” Ele estava numa mesa jogando pif-paf. Não me perguntou se eu havia comido ou bebido, e me disse: “Vire de costas.” Pegou um cartãozinho, escreveu um cartãozinho nas minhas costas endereçado ao André, que era o gerente administrativo, para mandar o dinheiro. Fechou a porta e me deixou na rua. Era esse o tratamento… Isso dói. Ele não tinha noção do que a gente fazia pela empresa dele… Eu chegava a trabalhar dia e noite… Minha esposa às vezes aparecia na Vera Cruz para ver o que eu estava fazendo, se era verdade que eu passava meus dias e noites trabalhando lá…

Com o fim da Vera Cruz e a fundação da Brasil Filmes em 1955, as coisas melhoraram?
Pierino Massenzi – Não… Por que a Vera Cruz fechou em 1953/54, mas a Brasil Filmes era a mesma empresa, ela mudou de nome para não passar os direitos das produções para a Columbia Pictures (distribuidora dos filmes).

Foi na Brasil Filmes que o senhor começou uma de suas melhores parcerias: com o diretor Walter Hugo Khouri, em Estranho Encontro, e depois em outros filmes dele como A Ilha e Noite Vazia…
Pierino Massenzi – Sim, sim. Nós tínhamos um bom entrosamento: eu não lia o script, mas ele me contava o que se passava em cada cena, e eu criava o ambiente para a história. Para o Estranho Encontro, foi assim: criei o bar, o apartamento em que ele leva a menina que encontrou no caminho, tudo. Já o Noite Vazia é um filme totalmente diferente, porque ele não tem esse cenário de época, é aquela noite triste, pesadona, em que os caras não sabem o que fazer, vão de boate em boate. Todas aquelas boates eu construí… todo aquele ambiente foi criado para o filme. Eu criava o ambiente para a história.

Na Brasil Filmes, o senhor também trabalhou com o crítico Rubem Biáfora na estréia dele como diretor, no filme Ravina (1959), que foi supercriticado na época por ser uma produção muito cara…
Pierino Massenzi – O Biáfora sabia muito bem o que queria, mas esse filme tinha umas coisas de diretor maluco: me mostraram o roteiro e tinha lá “as larvas sobem na ravina…”. E então pegamos umas minhocas para jogar na ravina… coisa de louco. Ele também queria, imagine você, uma escada que, quando a atriz principal passasse por ela, ficasse em forma de vulva! E aí, claro, tinha aquela conversa toda para justificar a coisa: a briga dos homens querendo conquistar a mulher, a feminilidade que ela exalava etc… Bem, para resolver o problema dele, construí uma escada em forma de “S”. Então, numa tomada em que a atriz desce a escada, os corrimões se encontram em perspectiva. Foi assim que dei esse plano para ele: o Biáfora fez um plano fechado da mulher de maneira que os dois corrimões se encontrassem na forma de vulva que ele queria. Ele não esperava por isso! E essa escada em forma de “S” serviu para muita coisa no filme. É um exemplo das coisas absurdas que eu tinha de resolver.

O senhor gostou do filme?
Pierino Massenzi – Eu gosto de todos os meus filmes. Cada um é diferente do outro, e eu gosto de todos.

Nesse mesmo período, o senhor e os estúdios da então Brasil Filmes se envolveram em algumas co-produções estrangeiras: Curuçu – O Terror do Amazonas (Curt Siodmak, 1957); Escravos do Amor das Amazonas (Curt Siodmak, 1958) e O Mistério da Ilha de Vênus (Douglas Fowley, 1960). Como foi isso?
Pierino Massenzi – Os filmes do Curt Siodmak foram filmados nos estúdios de São Bernardo, mas foram pensados originalmente para serem feitos no Amazonas. Só que, quando eles chegaram lá, os mosquitos não os deixaram trabalhar (risos). Foi aí que eles descobriram que, mais ao Sul do Brasil, havia um estúdio e pessoas que podiam realizar o que eles precisavam. Como o trabalho ficou bom, o Douglas Fowley veio para cá dois anos depois para fazer o filme dele, que no original de chamava Macumba Love e era estrelado por atores americanos e brasileiros.

E quais eram as histórias desses filmes? Os títulos sugerem um sensacionalismo bem distante dos filmes da Vera Cruz ou da Brasil Filmes…
Pierino Massenzi – Curuçu contava a história de um monstro misterioso que aterroriza uma aldeia de pescadores – mas que, na verdade, não passa de um curandeiro disfarçado que queria mandar na turma e expulsar os estrangeiros. Foi um dos poucos filmes que fizemos em cores. Já o Escravos do Amor das Amazonas era mais ambicioso, passava-se num templo pré-colombiano, com uma tribo de mulheres que precisa de reprodutores…

Como a equipe americana se comunicava com vocês? E como era o relacionamento com eles de maneira geral?
Pierino Massenzi – Eles tinham um intérprete, mas não era preciso dizer muito. A gente sabia o que estava fazendo. Eles pagaram direitinho, nós prestávamos contas, tudo certo. Os caras eram profissionais, então nos tratavam com respeito. Porque, com eles, quando você faz uma coisa de acordo, não tem reclamação. Já no Brasil é o contrário: quando você cria um nome no cinema brasileiro, você é demolido, é derrubado. Foi o que aconteceu comigo: num certo momento, eu aceitaria trabalhar até de graça, mas as pessoas não me chamavam. Eu sofria na época. Sorte que não me faltou nada, que não tive o mesmo fim do Lima Barreto, que morreu esquecido e na miséria, ou do Abílio Pereira de Almeida, que se acabou também. Não me queixo da vida que tive, mas me queixo do esquecimento dos colegas de cinema. Fico triste porque os americanos nos procuraram pelo nosso nome, enquanto os cineastas brasileiros nos rejeitaram pela mesma razão…

Além dos filmes, os americanos deixaram algum dinheiro ou algum equipamento por aqui?
Pierino Massenzi – Sim! Para o Curuçu, construí uma piscina de 15x8m às custas dos americanos. Esse cenário eu usei no filme Uma Certa Lucrécia (Fernando de Barros, 1957), produzido pela Cinedistri. Foi um dos melhores filmes que fiz em termos de cenografia: uma ponte em cima da piscina virou o canal de Veneza, construí a cidade ao fundo em perspectiva, coloquei a gôndola dentro da piscina… E isso tudo reaproveitando coisas que já tinha feito… Chegou um momento em que nada mais era problema, a gente resolvia tudo… E esse conhecimento todo foi se perdendo pela arrogância da geração mais nova, que pensa que não tem nada para aprender.

Quando o senhor parou de fazer cinema, o senhor continuou com a pintura?
Pierino Massenzi – Eu sempre mantive a pintura em paralelo, mas sempre trabalhando em outras coisas. Quando eu saí do cinema, trabalhei com uma firma de paisagismo. Montei um ateliê. Montei uma fabrica com vinte marceneiros, que chegou a trabalhar para o Lloyds brasileiro. Mas o meu perfeccionismo deu prejuízo… Teve uma mulher com um apartamento de mil metros quadrados para quem eu fiz o piso inteiro de ipê e o rodapé de ipê com andorinha, e a mulher não gostou e mandou trocar, e eu troquei tudo… Tem gente que me telefona até hoje querendo palpite. Mas fechei a fábrica, quase fui à falência. Aí fui fazer plantação de banana. Eu gastava dinheiro, queria fazer coisas bonitas, fazia casa para os caseiros, fiz uma cachoeira, criei cavalos. Cheguei a ter 200 animais, mas também dava prejuízo. Montamos uma escola de equitação, depois montamos um haras…

Alguém da sua família se interessou por seguir a carreira artística?
Pierino Massenzi – Não… essa é a minha dor de cotovelo… Eu sou arquiteto, cenógrafo e pintor. Minha esposa é pianista a fundou o conservatório de música de São Bernardo. Mas nossos descendentes não seguiram pela mesma trilha. Tenho sete netos e três filhos… Os meus netos me adoram, mas ninguém pegou o gosto pela arte… Os meus filhos estão todos bem colocados, mas em educação física, direito, administração… De qualquer forma, nos damos todos muito bem! Minha família está constituída aqui nesta chácara. Eu comprei esta chácara, chamei os filhos, e falei: “Cada um escolha onde quer construir a sua casa”. É que eu sou patriarcal, quero tudo perto… Aqui era um desbarrancado, fizemos um projeto de urbanização para ficarmos aqui com a família.

O senhor ainda tem contato com seus ex-colegas?
Pierino Massenzi – Não… Eu sou o último dos moicanos (risos). Recentemente fui receber um prêmio na Cinemateca Brasileira da Associação dos Técnicos em cinema, mas só encontrei o Máximo Barro, um colega que era montador de filmes. Nós nos falamos, nos abraçamos, e tal, mas somos os últimos… E essa turma nova tem uma postura tão desagradável, um ar de superioridade que deixa a gente queimado… E eles não dão a menor importância para a memória do cinema brasileiro. Uma vez houve um projeto de reabrir a Vera Cruz, fui chamado para fazer palestra nas faculdades, comícios. Mas, no dia em que foi feita a inauguração, fiquei decepcionado pela decoração que foi feita: eles colocaram os cartazes dos filmes, mas não tinha o meu nome! Peguei uma caneta e corrigi ali mesmo! Onde é que já se viu isso? Quantas pessoas iam passar por ali sem saber que eu trabalhei naqueles filmes! Nesse dia também ocorreu um episódio que mostra bem como somos tratados: o diretor da TV Cultura me chamou pra me apresentar o cenógrafo deles, estendi a mão para cumprimentá-lo, e o cara me deu as costas!

O senhor tem assistido aos filmes brasileiros atuais? O que acha deles?
Pierino Massenzi – Vejo pouco, porque tem coisas muito ruins… Dia desses assisti ao Tieta do Agreste (Cacá Diegues, 1996), e me indignei: eles chegaram ao absurdo de ir lá na Bahia e pintar uma casa de cada cor! Menina, isso não é o Brasil! Tem que ter limite. O que me deixa mais revoltado com o cinema atual é que os diretores deturpam as histórias. Lembra de O Quatrilho (Fábio Barreto, 1995)? O que eles fizeram com a italianada do Sul nesse filme? Cadê a pesquisa, cadê os elementos típicos? Para fazer uma casa de favela em O Assalto ao Trem Pagador (Roberto Farias, 1960) eu coloquei uma vassoura, um balde, uma taça de privada, eram as coisas que formavam o ambiente… Aí eu pergunto: porque deformar o ambiente, como nesse Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), em que chegaram a construir um cenário na favela, ou seja, um cenário dentro do cenário? Porque alterar se está tudo lá?

E na televisão? As coisas são melhores ou piores?
Pierino Massenzi – Minha filha, eu não vejo televisão para não ficar nervoso… Um dia me telefonaram da Europa para perguntar se eu tinha feito a cenografia da novela Terra Nostra, da Globo, sobre a imigração italiana no Brasil. Eu falei: “Não. Por quê?”. “Porque está uma merda!”, foi o que me disseram. E tinham razão! A história se passa no final do século 19, quando os imigrantes vinham para cá trabalhar como quase escravos nos cafezais. Em que tipo de lugar morava essa gente? Naquelas casinhas, uma junto da outra, de terra batida, com iluminação daquelas lamparinas de óleo. Mas, nessa novela, eles moravam em casa com piso de pedra, telhado de brasilit, telha paulistinha. E faziam baile! Se houvesse uma festa naquela época, ela se dava no terreiro. Os caras não respeitam o ambiente de época! É por isso que eu não vejo novela.

O senhor gostaria de finalizar esta entrevista com um recado para a nova geração?
Pierino Massenzi – Olha, para o leitor dessa entrevista, eu quero pedir que, em primeiro lugar, analise com atenção as minhas palavras. Posso ter magoado algumas pessoas, elogiado outras, mas é a minha palavra. Falo com sinceridade. Já para os cineastas de agora, peço que lembrem daqueles que fizeram alguma coisa pelo cinema brasileiro e que façam seus trabalhos com honestidade, seriedade e com menos nariz empinado. Respeitem os profissionais que deixaram sua marca no cinema.

Entrevista publicada originalmente no site Cinequanon.
Texto de crítico integrante da ACCIRS já publicado em outro veículo da imprensa e autorizado para publicação no site da associação.