Páginas
Seções

Publicado por em set 6, 2021 em Artigos |

Pluralidade feminina domina os curtas gaúchos

Por Siliane Vieira

Somos muitas e a diversidade cruza nossas histórias. Essa multiplicidade de identidades e trajetórias
femininas esteve grafada na seleção de curtas gaúchos participantes do Prêmio Assembleia
Legislativa, no 49º edição do Festival de Cinema de Gramado. Entre os 23 filmes concorrentes deste
ano, pelo menos 14 exibiram mulheres entre os seus protagonistas e onze deles foram dirigidos (ou
codirigidos) por cineastas mulheres. Essa representatividade – crescente, ainda bem – dá conta de
construir um amplo discurso, conduzido por diferentes vozes que merecem ser ouvidas.


Um exemplo é o vencedor da categoria melhor filme, Desvirtude, que dimensiona o peso de um
tema como o racismo na vida de uma jovem universitária. Um olhar que traz embutido muito do que
a própria realizadora audiovisual Gautier Lee, que levou o prêmio de melhor direção pelo curta,
vivenciou no ambiente acadêmico sendo a única formanda negra em sua turma. A narrativa criada
para o filme discute ainda o despreparo das instituições e coloca outra personagem feminina (uma
professora) no papel de quem comete a agressão à aluna, discutindo o “ser mulher” em diferentes
contextos. A união de um tema urgente com a sensibilidade artística de profissionais como a
diretora Gautier e a atriz que vive a protagonista do curta, Évellyn Santos (escolhida a melhor atriz),
resulta numa obra impactante, verdadeira e necessária.


Outras temáticas que circundam as discussões atuais sobre a construção feminina também
estiveram presentes na seleção de curtas. Como a maternidade, que ganhou diferentes abordagens
por meio de trabalhos como a ficção Um Dia de Primavera e o documentário Nave Mãe – neste caso,
o leque de mulheres/mães entrevistadas chama atenção, dando voz a quem não costuma ter, como
uma moradora de rua. Ainda conectada ao assunto, a seleção de curtas trouxe dois filmes nos quais
os filhos “investigam” a história de suas mães: é o caso de Fé, dirigido por Thais Fernandes e
protagonizado por Dionéia Fernandes; e Não Sou Eu, no qual Theo Tajes passeia pelas memórias de
Claudia Tajes.


Já o curta Era uma Vez… Uma Princesa também utiliza a maternidade como fio narrativo, mas ganha
ainda mais força ao abordar situações de violência doméstica e relacionamentos abusivos,
infelizmente ainda bem presentes nas vivências de muitas mulheres. A história ficcional dirigida,
criada e interpretada por Lisiane Cohen – com participação de sua sobrinha, Laura Cohen – conduz o
íntimo olhar de uma filha à história trágica da mãe.


Também merecem destaque curtas como Jardim das Horas, Cacicus e Rota que utilizam a
sexualidade e a identidade de gênero como ingredientes nas histórias de suas protagonistas
mulheres. Outro trabalho importante é o documentário Isso Me Faz Pensar, de Hopi Chapman. Ao
abordar o universo do hip hop em Porto Alegre, o filme traz entre seus personagens mais fortes a
MC Negra Jaque, que conquistou espaço e respeito num ambiente dominado por homens. É dela o
refrão “solte o seu cabelo crespo”, um chamado antirracista que vai de encontro a uma importante
quebra de padrão estético.

O inventivo Eu Não Sou Um Robô, de Gabriela Lamas, completa o mosaico de ideias criativas
conduzidas por mulheres nesta edição do festival. O filme chama atenção pela maneira com que
traduz a solidão e o caos dos nossos tempos. Realizado com uma equipe enxuta, conquistou quatro
prêmios: melhor roteiro, melhor fotografia, melhor direção de arte e melhor filme pelo júri da
crítica. No debate sobre o trabalho, a diretora de fotografia Lívia Pasqual (que participou de outros
três curtas selecionados em Gramado neste ano) deu um norte sobre como a participação das
mulheres pode se tornar cada vez mais expressiva no cinema:
– O mercado é misógino e violento e a gente precisa dos editais afirmativos. A única maneira de a
gente crescer é com os editais afirmativos. E que não seja um edital que diga “isso é para mulheres
então vocês só vão falar sobre coisas de mulher”. Eu quero falar sobre arquitetura, sobre a
robotização do mundo, sobre NFTs, sobre desastres climáticos.

Imagem em destaque no post: Agência PressPhoto