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Publicado por em ago 13, 2017 em Artigos |

Rifle aborda a falta de perspectivas

Por Adriana Androvandi, especial para o site da Accirs.

O diretor Davi Pretto e a equipe da produtora Tokyo Filmes se consolidam entre os talentos recentes da cinematografia realizada no Rio Grande do Sul. O filme Rifle (2016) traz uma característica semelhante a outros filmes do realizador, como o docudrama Castanha, por narrar uma história e ao mesmo tempo fazer um retrato e uma denúncia social.

Rifle

O ator Dione Avila de Oliveira

São muitos os aspectos passíveis de análise do filme. Entre eles merecem destaque as cuidadosas direções de arte e fotografia, que alternam cenas de paisagens em descampados e matas, cachoeiras e casas decadentes, fogo de chão e animais. O som também é um precioso registro documental do interior rio-grandense, com o canto dos quero-queros e o vento que zune nas janelas. O roteiro do longa-metragem é, em especial, um trabalho sofisticado, em contraposição ao ambiente rústico que expõe. Resgata um pampa que há muito tempo é região de andarilhos e fronteiras disformes. Pela sua vastidão e difícil vigilância, uma terra praticamente sem lei.

Nos primeiros minutos do filme, temos uma apresentação do lugar simples em que vivem trabalhadores do campo. De dia, a lida exaustiva. À noite, o entretenimento com uma televisão com péssima imagem, um jogo de cartas ou mesmo uma conversa ao relento. Conhecemos o peão Dione (Dione Avila de Oliveira), rapaz de poucas palavras, mas que logo manifesta uma resistência a um negociante, que se apresenta como “representante do Aparício” e que deseja comprar terras na região. Aqui está uma primeira denúncia social do argumento, abordando o expansionismo do agronegócio sobre pequenos produtores.

As cenas em que uma personagem mostra um álbum de fotografias a Dione, com o registro do passado da família vivido naquelas terras, carrega todo um simbolismo sobre o suor e as lágrimas que muitos dedicaram para ter as propriedades e como tudo pode ficar na memória após uma assinatura de contrato para a venda do terreno. A ameaça de perda de empregos na troca da criação de gado pela de plantação de soja assola os trabalhadores da região, ao mesmo tempo em que roubos e mortes de animais na calada da noite intrigam produtores. Esta terra desamparada e sofrida é o foco dos diálogos entre os capatazes.

Mas não é só na denúncia social contra o latifúndio que a narrativa se encerra. Há outras camadas de significação. E a complexidade do roteiro vai além quando coloca um rifle na mão de Dione. Desprovido de esperança e de oportunidades, ele se sente subitamente “empoderado” pela arma que carrega e começa a atirar em tudo o que represente o poderio econômico do qual se sente excluído, especialmente contra carros. O ritmo do filme, que até a metade acompanhava o protagonista em tom de pasmaceira, fica mais enervante e tenso. E com o desenrolar da trama vamos entendendo melhor esse personagem, que pode ser simples, mas é astuto. Percebemos que ele já teve a vivência da cultura do consumismo e não gostou. “Vocês vão ver coisas que não podem ter”, diz ele a uma garota do campo que quer ir para a cidade. Por fim vamos entendendo sua raiva e seu passado misterioso, revelados sem maiores alardes por meio de diálogos inesperados. Dione não está furioso somente contra o agronegócio, mas contra um sistema que, seja no campo ou na periferia das cidades, não oferece perspectivas.