Surpresas e decepções em Gramado 2017
Por Cristiano Aquino, integrante do Júri da Crítica no 45º Festival de Cinema de Gramado, especial para o site da Accirs
Muitos filmes assistidos, muitos premiados, grandes surpresas e decepções, segue aqui um pouco de cada filme que assisti.
O Festival começou com o filme hors concours, escrito e dirigido por Mauro Lima, João, o maestro, que conta a história real de superação do pianista e maestro João Carlos Martins em diferentes etapas de sua vida. Com excelentes atuações de Rodrigo Pandolfo e Alexandre Nero, a vida de João Carlos se desenrola na tela como uma melodia, por vezes desafinada, fora do tom, mas sempre nos envolvendo nesta sinfonia de uma vida de dedicação total a música.
Um cordel de cinema, o filme O matador, de Marcelo Galvão conta a história de Cabeleira, que abandona a vida no meio do mato para tentar encontrar seu verdadeiro pai.
O filme se passa nos anos 40 e conta com uma bela produção de arte, no entanto o filme é pobre em roteiro e pretensioso em uma trama que passa muito ao largo ao tentar lembrar algumas obras de Tarantino. O primeiro filme da Netflix produzido no Brasil não deve empolgar.
Lais Bodanzki dirige um dos grandes filmes do festival este ano, e merecidamente o filme mais premiado também. Como nossos pais conta a história de Rosa (Maria Ribeiro), que cuida de sua casa e filhos negligenciando seus anseios profissionais, enquanto o marido Dado (Paulo Vilhena), vive de viagem em viagem com sua ONG e acha que está fazendo o bastante pela família aparecendo de vez em quando e participando das atividades familiares. Mais do que a relação do casal, o filme aborda a difícil relação entre Rosa e sua mãe Clarisse (Clarisse Abujamra), uma relação complicada que vê a sua frente desafios que as colocam em confronto e aproximação, soma-se a isso tudo a relação de Rosa com sua filha pré-adolescente. A construção das relações e as dificuldades quase banais do dia a dia transformam a história comum de uma família comum em um grande filme.
Em As duas Irenes uma jovem descobre que o pai mantém outra família em uma cidade vizinha, e como se isso não bastasse o pai colocou o mesmo nome na meia irmã. Irene decide então se aproximar da outra família do pai e conhecer aquela garota com um nome igual ao seu, no entanto tão diferente dela própria. Fabio Meira parte deste princípio para contar uma história de descobertas da juventude, traição, amizade, descoberta do corpo e das sutilezas dos relacionamentos familiares. As atrizes Priscila Bittencourt e Isabela Torres interpretam as Irenes e conduzem o espectador em uma divertida, porém aflitiva narrativa, o que torna a curiosidade pelo desfecho da trama quase uma necessidade para quem o assiste. Filme premiado pelo Júri da Crítica como melhor longa brasileiro.
Henry James escreveu um texto em 1903 que conta a história de um homem a espera de um evento extraordinário em sua vida, The beast in the jungle. Paulo Betti, Eliane Giardini e Lauro Escorel transpõem este texto para o cinema em uma tentativa de recriar o drama e a angústia deste indivíduo em sua busca desconhecida. No entanto, A fera na selva, filme de apenas uma hora e vinte minutos, se arrasta nesta busca, em diálogos lentos e com um narrador que não havia nenhuma necessidade de estar presente. A busca do homem fica óbvia já no início do filme, tornando tudo cada vez mais enfadonho.
Caroline Leone dirige Pela janela que conta a história de Rosália (Magali Biff), uma mulher que é demitida de seu emprego na fábrica de reatores elétricos e vê o mundo que ela conhece desabar. No entanto, ao embarcar em uma viagem de carro, uma nova perspectiva de mundo lhe é apresentada. A transformação e o crescimento da personagem durante sua viagem é de uma sensibilidade ímpar, sua trajetória sensível e o pouco que a personagem revela a cada momento nos faz crescer junto com ela e descobrir que, sim, existe um mundo diferente fora do nosso pequeno círculo de vida. Um grande filme que passou despercebido pelos júris do Festival de Gramado 2017.
Em Bio, Carlos Gerbase apresenta um homem que nasce em 1959 e morre em 2070. Após sua morte família e amigos se reúnem para falar sobre sua vida e montam assim a história de vida dele. Um filme dividido em blocos onde, de três em três, as testemunhas da vida do personagem principal se revezam para contar a vida do personagem, e só. Muitos personagens e pouco filme.
Vergel mostra uma mulher brasileira (Camila Morgado) a espera da liberação do corpo do marido, morto em férias na Argentina. O calor do verão, a demora da burocracia e o apartamento repleto de plantas, semelhante a uma floresta, integram o ambiente opressor, mínimo e imenso em que a mulher é emocionalmente aprisionada. Até que a convivência com uma vizinha do prédio lhe traz novas descobertas e desejos. Kris Niklison dirige com maestria a luz e os espaços do pequeno apartamento que serve de cenário para quase todo o filme, no entanto a produção se perde em um roteiro confuso do meio para o fim do filme, perdendo um pouco a força que tinha no início da trama.
Sara é diarista na casa de Alan, em um dos seus dias de trabalho Sara conta para Alan como ficou sabendo que sua filha é lésbica, fala de suas dúvidas e preconceitos mais variados enquanto segue limpando a casa e cumprindo a sua rotina diária. Em O quebra-cabeça de Sara a grande jogada no filme é que Sara não mostra seu rosto, vai alternando suas tarefas domésticas sendo seguida de perto, conversando ora com o diretor, ora no celular, fazendo o espectador que assiste também testemunhar aquela conversa como se lá estivesse. Por todos estes aspectos o Júri da Crítica escolheu O quebra-cabeça de Sara, de Allan Ribeiro como melhor curta do 45º Festival de Cinema de Gramado.
Pinamar é um filme de Frederico Godfrid que conta a história de dois irmãos que vão à praia de Pinamar para vender o apartamento da mãe e jogar as suas cinzas no mar. A volta às lembranças felizes, a dor da saudade e a reaproximação dos dois irmãos nos conduz em uma trama bela e leve. A grande atuação dos atores que vivem os irmãos Pablo (Juan Grandinetti) e Miguel (Augustín Pardella) é o fio que nos conduz a um história comum em muitas famílias, o afastamento, as tentativas de reaproximação e a vontade de viver um tempo que não volta mais. Pela sensibilidade e simplicidade com que aprofunda as questões trazidas ao espectador, o Júri da Crítica escolheu Pinamar como melhor filme latino do 45° Festival de Cinema de Gramado.