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Publicado por em out 5, 2020 em Artigos |

Ten-Love e suas duas partes

Por Ivonete Pinto, especial para o site da Accirs.

Talvez por muitos anos ainda Bruno de Oliveira venha a ser chamado de jovem diretor. Porque é de fato jovem em idade, porque investe em histórias com jovens meio perdidos, porque parece estar sempre buscando um cinema ao qual gostaria de ser identificado. Quando num curta universitário não conseguiu deixar claro sua intenção como diretor (Todas as noites em que dou carona ao diabo), onde o comportamento do personagem podia ser confundido com o que defendia o roteirista-realizador, podia parecer que o então estudante estava experimentando o filme de gênero. Em outro curta (A Antologia de Antônio), já começa a contar histórias com personagens do seu próprio universo geracional e é selecionado para o Festival de Tiradentes. No primeiro longa, Os Pássaros de Massachusetts, exibido na mostra de longas gaúchos em Gramado, víamos alguém influenciado por um cinema tributário ao estilo dos filmes do próprio festival mineiro: tempos mortos, enredo mínimo em estratégias que flertam com um cinema codificado.

Georgia Barcellos e Bruno de Oliveira

Com Ten-Love, novamente selecionado para a mostra gaúcha de longas – a 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado -, temos o diretor igualmente experimentando, arriscando mais na estética e demonstrando um maior domínio na forma narrativa. Nele, não se sabe se são influências ou homenagens, há características que remetem à Nouvelle Vague, aquela de Truffaut e seus casais. Truffaut amava seus casais e Bruno de Oliveira aparenta ter o mesmo sentimento pelos personagens Georgia (Georgia Barcellos) e Bruno (Bruno de Oliveira). No caso, amor próprio incluído.

A abertura do filme, quando Bruno salva romanticamente a mocinha de um assalto, é construída com leveza, utilizando um slow motion inusitado. Ali se conhecem, tendo as ruas de Porto Alegre como testemunha, ali iniciam uma história de amor bem banal, que os leva a morar juntos. O filme então vai se aprumando nesta leveza truffauniana e o espectador embarca num certo sublime da relação a dois, com suas briguinhas e ciumezinhos. O diminutivo não diminuindo o filme, pois o enredo segue sendo contado com segurança e inventividade. Como nos enquadramentos engenhosos da sequência de abertura (o assalto na avenida Oswaldo Aranha) e o uso do espelho que mostra o casal se arrumando para a festa que inaugura o apartamento e uma nova forma de vida dos dois.

Tudo é contido, discreto, elegante, terno, reverberando a Jane Austen que aparece no cenário. Também faz pensar na frase de Rimbaud, Par delicatesse, j’ai perdu ma vie.

Até virar outro filme. A partir de uma inocente amizade com o Joalheiro, Bruno é levado a fazer um negócio escuso e tem início o filme policial. Com doses de suspense e direito ao um indefectível drone, somados a clichês de gênero, como os pesadelos que reforçam os medos do personagem. Desconfia-se que seja a resposta do diretor para seu longa anterior, considerado codificado demais, sem ação, vazio. Aqui Oliveira demonstra que sabe filmar tanto à la nouvelle vague quanto no estilo policial-suspense, e sabe usar a trilha sonora musical como os diretores de filmes de mercado.
Assim, tenta-se juntar as partes, mas fica difícil encaixar, por exemplo, a caricatura do produtor de cinema pornô com o duelo no jogo de tênis. Esta “segunda parte” fica divorciada da primeira e com isto o roteiro não dá conta de desenvolver os personagens, que se anunciavam tão bem no início para se perderem na parte, digamos, anexa do filme.

O que fica, porém, é a contínua promessa de um talento em formação, que dá mostras que consegue algo difícil no cinema, que é erigir uma atmosfera ficcional própria, conjugando elementos da montagem, dos diálogos e da interpretação dos atores. No aspecto do realismo de Ten-Love (Ten Love Songs?), esta atmosfera prende a atenção em cenas simples, como a que a dona do restaurante (Rejane Martins) demite a chef. Só este tipo de diálogo, inteligente, com jeito de improviso, já basta como cartão de visita para Bruno de Oliveira tentar voos mais altos. Mais próximo do realismo e menos entusiasmado com os artifícios do cinema de gênero.