Tragicomédia cheia de exageros (Sicko – S.O.S. Saúde, 2007)
por Pedro Garcia (aluno do curso de jornalismo da Universidade de Santa Cruz do Sul)
Michael Moore ganhou fama criticando a política norte-americana com ironia e agressividade em seus filmes. Na década de 1980, assumiu seu apoio à postura social-democrata e passou a cutucar empresários e políticos em produções de grande repercussão.
Em 2004, gerou polêmica com o lançamento do documentário anti-Bush Fahrenheit 11 de Setembro. Apesar de sua obra ter conquistado diversos prêmios importantes, o nome de Moore é muito mais lembrado como o de um inimigo dos Estados Unidos do que o de um cineasta.
Se o que vem antes da vontade de produzir um filme de qualidade é, de fato, a intenção de provocar os poderosos, Moore é duplamente talentoso. Afinal, ele é capaz de não apenas investigar e encontrar evidências de um problema como ainda transformá-lo, por meio de uma edição cheia de toques exagerados, em um grande espetáculo que desperta fortes sensações. Assim é Sicko – SOS Saúde.
Quem pegou ódio do governo americano após assistir a Fahrenheit tem sua ira dobrada com esta nova produção. Novamente assumindo as funções de roteirista, diretor, produtor e ator principal, Moore escancara a crise no sistema de saúde terceirizado dos EUA e o põe em contraste com o de outras nações.
Na primeira parte do documentário, o tom é de tragédia: depoimentos de pessoas que tiveram suas vidas arruinadas após terem sido rejeitadas na tentativa de conseguir um plano de saúde, e outras que, apesar de seguradas, não conseguiram com que o plano cobrisse tratamentos e remédios para doenças graves. O diretor as retrata como vítimas de uma burocracia planejada para privilegiar o bolso de empresários, e que tortura os necessitados.
Após a sucessão de histórias dramáticas, Sicko se transforma em comédia. Moore, que até então não havia dado as caras, assume o papel de um turista que saiu do inferno e encontrou o paraíso. Ele viaja ao Canadá, Inglaterra, França e Cuba, e descobre as maravilhas de sistemas de saúde bancados pelos governos, por meio dos quais todos têm acesso a atendimento médico gratuito e de boa qualidade.
A estratégia seria perfeita, não fossem os exageros que fazem com que o filme, em alguns momentos, beire o ridículo. Em um desses trechos, Moore conversa em uma mesa de restaurante com um grupo de americanos que vive na França, e se excede nas caras e bocas ao ouvir sobre os privilégios dos moradores daquele país: ensino superior e assistência médica gratuitos, licença-maternidade generosa etc.
O exagero grita também em um passeio de Moore pelas ruas de Paris. Com um trilha sonora de conto de fadas, ele observa famílias sorridentes, casais apaixonados e crianças descontraídas, como se realmente estivesse em um mundo encantado. A mesma técnica é utilizada mais tarde quando encontra, em Havana, médicos elegantes e bem-educados que fazem pose de anjo da guarda.
Analisando-o como o manifesto de um oposicionista, Sicko peca em detalhes que necessitariam mais cautela e menos emoção. Analisando-o, porém, como uma obra cinematográfica, é uma produção bem-feita que adiciona fantasia à realidade para atingir em cheio o sentimento do espectador. Mais uma vez, é difícil sair do cinema sem uma ponta sequer de raiva do Tio Sam no coração.
Sicko – SOS Saúde (Sicko)
Documentário
Direção: Michael Moore
País de produção: EUA
Ano de lançamento: 2007
Disponível em DVD no Brasil
Duração: 123 minutos