Páginas
Seções

Publicado por em nov 23, 2024 em Críticas, Destaque |

V Festival Cinema Negro em Ação :: “Deixa” (2023), por Marina Terres

O amor não é justo.

A pulsão de um amor que não se concretiza; um amor quente, delicado, onusto de paixão e de todas as angústias: é a este amor triste, para não dizer trágico, que nos atentamos em Deixa (2023).

Escrito e dirigido pela baiana Mariana Jaspe, o curta metragem oferece uma narrativa tranquila, mas ardente, que gira em torno de Carmen, uma mulher idosa que aproveita de seu último dia de “liberdade” antes do retorno de seu marido da prisão. No decorrer da obra, acompanhamos uma noite que Carmen compartilha, no início um pouco hesitantemente, com seu jovem amante, Pedro (maravilhosamente interpretado por Dan Ferreira), até o melancólico desfecho de seu encontro . A história mostra um paradoxo claro entre a liberdade e o aprisionamento no instante em que Carmen e seu marido notoriamente abusivo e violento trocam de papéis, passando a ser ele livre e ela, inevitavelmente, prisioneira.

Prisioneira do marido, do machismo e etarismo estruturais, Carmen é interpretada pela célebre atriz Zezé Motta. Trata se de uma personagem interessantíssima, repleta de camadas e complexidade no contexto de toda a trama infeliz que ela tem em seu entorno. Uma personagem que, sem dúvidas, seria ainda mais cativante se Deixa fosse um longa metragem, especialmente porque sua situação é tocante; não demoramos, ao assistir o curta, a simpatizar com a figura de Carmen, obrigada a deixar uma felicidade rara conquistada para trás em virtude de um marido agressivo e impassível pelo restante de sua vida.

Tocante também é o relacionamento amoroso entre Carmen e Pedro, aqui retratado com tanto cuidado. Na cena final do curta, em que o barulho algo perturbador de uma campainha se faz ouvir repetidamente e sem resposta, quedamo nos, junto da protagonista, também tristes e desamparados pelo fim inelutável daquela paixão tão bela e agonizante. A paixão envolta pela dor da impossibilidade e do sentimento de que aquele amor, tão verdadeiro, tão breve , é absolutamente inviável o que, no fim, é uma verdade difícil de engolir.

Deixa (2023) é o retrato de uma vida quase desperdiçada, que reencontra a felicidade efêmera e cheia de culpa num amor puro, fatidicamente destinado a dizer adeus.


Texto escrito originalmente por Marina Terres para o site da Accirs.
Este texto integra uma ação da ACCIRS em parceria com o V Festival Cinema Negro em Ação, promovido pelo Iecine RS, em uma nova categoria criada no evento: o prêmio para Crítica Revelação, voltado aos textos de alunos dos cursos de audiovisual e/ou comunicação de universidades gaúchas.

Leia mais: V Festival Cinema Negro em Ação :: ACCIRS concede prêmio inédito de crítica revelação